ROMANCE

Os navios partiam ainda mais para norte.

Fui adiando a escolha, mesmo reconhecendo algum determinismo radical. Haverá causas que nos modelam ou modelamos, apenas me interessava acreditar numa opção simples e tudo o mais ficava para uma discussão futura sem resultados.

Naquele tempo sentia-me tocado por uma sensibilidade que se foi diluindo,

não sei. Actua de outro modo, penso assim quando o argumento é mais sugestivo. Ela falava como se o silêncio pudesse exprimir-se, eu só entendia o rosto, aquele rosto que tinha uma voz de palavras quase imateriais ou estrangeiras.

Mas era a nossa própria ilusão.

A voz é a palavra escrita no corpo, marcada na eloquência perfeita dos lábios que vibram.

Toquei-lhe os dedos e com os meus escrevemos um romance aleatório entre as paredes da casa. Possivelmente, fruímos aquela existência breve.

A morada estava voltada para os lagos de vidro de uma pátria de gelo.

Os navios partiam, via-os ao longe sob a neblina.

Subi a gola do casaco azul, deixei-me vaguear com o vento

na despedida.

Carlos Frazão