Poema de um Garoto Morto

Ele tem tudo em suas mãos, em seu alcance. A pena, o tinteiro e o papiro.

Com a pena em seus dedos, já rascunhou vários prefácios, porém em vão. Vários de seus papiros já foram descartados por este motivo. Mas ele desistira. Tem seu propósito e sua vontade de idealizá-lo é maior que a dificuldade de transformar tudo aquilo que está sentindo, e há muito guardado.

São tantas coisas sobre o que falar que está indeciso sobre por onde começar, porém sabe que tem três opções. Três assuntos no qual sabe o que escrever: sobre o momento de alegria, paixão e amor que hoje vive ao lado de sua amada; sobre críticas e desfeitas feitas à estereótipos de uma forma completamente satirizada; ou suas velhas companheiras: a dor, a solidão e a escuridão.

Com sua pena em mãos, colocou o Réquiem para tocar em seu velho e decrépito gramofone, acendeu algumas de suas ervas de cheiro, fechou os olhos e decidiu se deixar levar pela pena sobre o papiro:

“Se por ventura chegar a ler estes versos,

Lembre-se não das mãos que as escreveu,

Lembre-se somente do verso.

O choro de um cancioneiro,

Um choro sem lágrimas.

Pois por eu ter à isto dado força,

Isto se tornou a minha única força.

O conforto de casa, o colo da mãe,

A chance para a imortalidade.

Aonde ser querido tornou-se uma sensação

Da qual nunca conheci.

E o doce piano descrevendo minha vida...

Ensine-me o que é a paixão,

Pois temo que já esteja extinta.

Me mostre o amor,

Me proteja da dor.

Há muito mais que eu gostaria de oferecer

Àqueles que me amam.

Me perdoem.

O tempo dirá este cruel adeus,

Pois não vivo mais para envergonhar.

Nem a mim,

Nem a você...

- Uma alma solitária.”

Com os olhos cheios de lágrimas, repousou a pena em sua escrivaninha, e recostou em sua cadeira, ouvindo os doces e cruéis acordes do Piano sendo levemente acariciado, formando aquela triste canção chamada Réquiem.

Se levantando algum tempo depois, ainda completamente imerso em seus pensamentos indecorosos e obscuros, onde nem mesmo o mais forte brilho do sol tem a ousadia de sequer tentar iluminar. Sobe as escadas em silêncio e abre a porta de seu quarto, onde sua bela amada encontra-se em repouso. Fica ali, parado durante vários minutos a contemplando, como o mais belo anjo que para sua sorte foi expulso dos céus e acabou por cair em seu caminho.

Quanto mais a admira, mais de seus bestiais e obscuros pensamentos o abandonam, trazendo lugar à mais verdadeira alegria. Uma paixão como nunca antes conhecera.

Lembrou-se do que há pouco escrevera, e se perguntou como que tem todos aqueles pensamentos, e como eles o abandonam quando está junto de sua amada, e nada daquilo faz sentido, quase que sendo uma outra pessoa.

Vagarosamente deitou-se em seu lado da cama, a beijou a face e a testa e, enquanto mexia nos cabelos de sua amada, ela suavemente abre os olhos, o olha rapidamente com aqueles olhos pesados de sono, sorri e volta a dormir. E aquilo pra ele basta.

Relaxando na cama, mas ainda olhando para ela, com aquele rosto angelical recebendo o divino sono dos justos, pensou que ali estava sua verdadeira felicidade. Ao lado dela. Sendo a cada dia e a cada passo uma pessoa melhor.

Esboçou um grato sorriso para sua amada e, agora se sentindo melhor, dormiu.