Minhas Memórias

Esta, Amorosa.

Théo, este "era" o cognome dele, eita caboclinho bonito, meio mulato, meio índio, meio europeu, no entanto, inteiramente brasileiro... Na pele um bronze de liga cobre e ouro, corpo esguio de bailarino, de lábios carnudos e sensuais, que quando sorria os dentes alvos iluminava tudo à sua volta. Os cabelos de cachos castanhos imploravam pelos meus dedos, seus olhos hipnotizavam-me, e ainda assim, os meus teimavam em fugir, eram verdes, como o mar onde assento as vistas todos os dias, mergulho e sonho... Com Théo eu também sonhava, só que a minha timidez não permitia que ele soubesse. Havia nele um encanto, uma magia, uma aura, e todas o queriam, mas eu não tinha ciúme, porque aquele amor era só meu, estava dentro de mim.

Morávamos no mesmo bairro, uma rua acima, então nos víamos com frequência, eu, ao menos, ele, acho que nem via-me.

Fora a época dos bailinhos, a década da discoteca. Michael Jackson vinha ao som de "Ben" enlouquecendo-nos de amor, sonhos e paixão. Raul Seixas, ah Raulzito, que saudade!... O samba rock explodia com Agepê, Antonio Carlos e Jocafi, e tantos outros, enfim, música, cujo intuito é fazer-nos sonhar e elevar o espírito. Se eu fosse falar em música da época nem caberia aqui os nomes das bandas e artistas, os ritmos, a diversidade de sons e talentos... Ah, anos dourados aqueles!

Já, em se tratando de moda, arrastava-se ainda a calça boca de sino, cores extravagantes, como roxo, verde, abóbora e estampas florais, penduricalhos de contas e miçangas, sandálias plataforma e botas de camurça. Os cabelos "black power" eram o "look", os de Théo eram mais contidos, apenas cacheados. Saíamos do movimento "hippie" para "punk".

Ele foi o melhor bailarino que já vi, deslizava pelos salões e fazia flutuar quem com ele estivesse. Embora eu desejasse muito dançar, e especialmente com Théo, a minha timidez não me autorizava. E eu, dum canto admirava-o e me sacudia na cadeira.

Certa noite, alguém me ofereceu um copo de cerveja, aceitei-a, foi a primeira da minha vida. Achei-a amarga, mas o seu efeito milagroso, pois logo após o segundo copo meu corpo não cabia em mim, e lá estava eu rodopiando feito Clara Nunes, livre e solta, como se um "santo baixasse", isto, sob o efeito do álcool de uma pequena dose de cerveja, sim, pequena dose de dois copos, afinal, eram bailinhos familiares, e eu uma menina que nascera com bom senso, madura, quase uma adulta de 13 anos que cuidava de 4 irmãos mais novos enquanto a mãe trabalhava para os sustentar, por este motivo tinha uma liberdade incomum para idade...

Não ficava bêbada não, queria apenas perder um pouquinho do acanhamento e movimentar-me sem pensar no que os outros pensavam dos meus movimentos. A partir daí passei a dançar, entretanto, não sem uma ou duas doses de cerveja... Talvez seja assim que um tímido entre no mundo do álcool e das drogas... será? Da segunda eu corri sempre, nunca experimentei em toda minha existência, também não me transformei em alcoólatra não, a este vício não sucumbi, mas pouco tempo depois por influência de um namoradinho passei a fumar... O que, de certa forma, fora o apelo da época, era lindo uma mulher com cigarro entre os dedos, eu também achava.

Voltando ao Théo...

O amor que eu sentia por ele fazia-me chorar, sobretudo por desejá-lo e não ter coragem de confessar, ademais, o caboclinho nunca estava só, como iria enxergar-me? E assim, esta eternidade de vida durou uns dois meses, até que ouvi a notícia que ele iria mudar-se para o Paraná, sua terra natal. Morri mil vezes sem Théo saber, chorei até cerrar os olhos de tanto inchaço... e, o que consegui foi apenas lhe acenar ao longe, para que ele não visse minhas lágrimas.

A música, a qual trazia-me Théo, era Despedida de Roberto Carlos, chorei algumas semanas, meses, não sei bem por quanto tempo, e não lembro-me em que mês ele partiu...

O tempo correu, também não lembro quanto... não namorei ninguém, embora houvesse investidas, meu coração partira com Théo! Pois é, eu tinha apenas infinitos e eternos 13 anos. Então, "numa tarde linda de Sol ele me apareceu", sim, ele voltou! Eu beirava os 14 anos e já sabia dançar, melhor, conseguia... E, eu iria dançar com Théo nem que fosse uma vez, por determinação, entretanto, ele é quem teria que tirar-me para dançar, porque eu jamais ousaria, mesmo que bebesse, (sorriso)... Num sábado quente, de quase verão alguém fazia primavera, e convidou-me para o bailinho, na rua de casa, Théo estava lá, e olha só, não estava acompanhado não, coisa rara!

Nossos olhos encontraram-se como a pólvora à faísca, o meu desejo saltou de mim em busca dele. Naquele momento ele veio em minha direção, e meu coração bateu ao ritmo de seus passos, minhas pernas apolíneas bambearam... Aproximou-se, segurou minha mão como um príncipe e tirou-me para dançar. Eu estava à espera de Théo há meses! Flutuei em seus braços hipnotizada, ao som de "Kung Fu Fighting" de Carl Douglas. Não sei se me saí bem, só sei que ele foi meu e dançamos até o amanhecer e algumas outras vezes, que também não lembro-me quantas... Considero meu primeiro beijo o de Théo, pois no primeiro fui agarrada à força, foi roubado, frio e babado, portanto não valeu!

Ficamos juntos algumas vezes, e logo compreendi que Théo era uma ave de altas montanhas, e precisava voejar, abri os braços, não para ele ir, mas para quando quisesse voltar. E amei-o a cada vez que ouvi "Kung Fu Fighting".

Nalva Sol
Enviado por Nalva Sol em 08/03/2015
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