Novos Hóspedes, Eternas Bagagens.

Novos Hóspedes, Eternas Bagagens.

Um repórter de uma publicação local foi recebido na mansão de um influente crítico de arte, para uma entrevista sobre sua mais recente obra – um livro sobre um novo recorte da pintura pós-moderna.

Guiado pelo mordomo, através de um corredor com piso de mármore alvejado, ornamentado com vários bustos, sobre pedestais que imitavam colunas gregas, e que desembocava elegantemente numa biblioteca, onde peças maciças de madeira de lei completavam todo e qualquer canto.

Por mais estranho que pudesse parecer, todo aquele grande espaço estava cheio de prateleiras vazias, o que fez reverberar mais ainda o formal cumprimento de ambos os homens:

- Boa noite! Seja bem vindo! – disse o anfitrião.

- Boa noite! Muito obrigado por receber-me, Doutor Stewart.

- É sempre um prazer receber pessoas interessadas em divulgar a arte que tanto amo. Por favor, sente-se e sinta-se à vontade.

O teor amigável prosseguiu por toda a entrevista, que se encerraria após duas horas sem interrupções.

Após as considerações finais, e já movido por uma dúvida informal, o repórter passou as barreiras da ética e fez uma pergunta pessoal:

- Doutor, desculpe-me pela intromissão. Não vejo sinais de reforma ou ainda caixas de mudanças, mas, no entanto, sua biblioteca está completamente desocupada, e nem de longe seu cheiro amadeirado remete aos milhares de livros que poderiam aqui estar... – antes mesmo de terminar sua frase, o curioso repórter foi descontinuado por uma gargalhada que não soava como se desmerecesse a pergunta, mas sim, como um gracejo pessoal.

- Perdão, perdão, deixe que um velho sem jeito explique que uma gargalhada não foi uma falta de modos. Já estou acostumado com tal pergunta, e de fato esperava que o senhor me apresentasse à própria. De certo, posso dizer-lhe o porquê desta biblioteca, que diferentemente de há muito tempo, agora está vazia.

O crítico então, continuou com sua lógica.

- Há alguns anos atrás, em uma das minhas viagens para praticar o garimpo cultural na Índia, conheci um Mestre Hindu chamado Akinyemi Bwana Yogahamah que compartilhou comigo uma, no mínimo interessante, forma de tratar o conhecimento. Segundo ele, a informação é um hóspede temporário, que deve vir e partir, deixando ao anfitrião, apenas suas bagagens. Portando, segundo este pensamento, a única forma de receber novos hóspedes é deixar sempre disponível seus aposentos, neste caso, sua mente. Como se aplica isso na prática? Todo conhecimento que você obteve, deve ser repassado, ensinado, compartilhado, ou seja, precisa ser cíclico, nunca retido, suprimido ou dominado. Assim, e somente assim, você se tornará livre para receber outros hóspedes, ou claro, mais conhecimento para você, e, por conseguinte, mais conhecimento a ser repassado.

Meus livros, doei-os todos, mas as suas bagagens – dizia o autor com o dedo indicador tocando suas têmporas – estão aqui, prontas para engatilhar maravilhosas viagens de puro literalismo e informação. A minha biblioteca? Apenas um aposento passageiro para novos hóspedes, que deixarão o mais precioso, e logo, logo, partirão ao encontro de outros.

Maio de 2007

Duke Webwriter
Enviado por Duke Webwriter em 07/06/2007
Reeditado em 14/09/2010
Código do texto: T517994
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