Damas da noite

DAMAS DA NOITE
Miguel Carqueija


Em alguma ocasião alguém classificou a nossa profissão como “vida fácil”; o pior é que muitas pessoas aceitaram e o nome pegou.
Mas como fácil o aguentar o relento, as noites insones, em busca de “fregueses”, as intempéries, a pobreza, a fome, a velhice insegura e, ainda por cima, a zombaria, a discriminação, a desconfiança e a hostilidade das pessoas “de bem”?
Entregar-se a homens desconhecidos que, se forem sádicos e violentos, podem nos maltratar, torturar e até matar?
Somos em geral consideradas a escória da sociedade, xingadas de “vadias” embora trabalhemos; e por via de regra não quisemos essa vida, que nos foi imposta por fatalidades e até pela família, como a Sonia do “Crime e castigo” de Dostoievski, prostituída pelo próprio pai; e se pudéssemos sairíamos dela. Nós somos, inclusive, em média muito melhores que os homens que nos procuram e nos dão dinheiro; afinal de contas nós, pelo menos, não estamos traindo ninguém.
Acreditamos que Deus, em sua infinita misericórdia, nos dará o seu perdão pelos nossos pecados, pelo muito que sofremos, pelas privações, e os maltratos, insultos, agressões e doenças que a sociedade dos homens nos impõe.
E enquanto isso, seguimos vivendo esta tão difícil “vida fácil”.


Rio de Janeiro, 22 de maio de 2015.



imagem freepik.com