SEM RUMO

Passa das onze.

O sol brinca na janela.

Meu humor, feito pára-brisas,

Enxerga nuvens onde não há.

Tenho tanto tempo para não estar

Que me cansa a sensação de existir.

Encontrei um escrito antigo.

E havia tanto sentimento rabiscado

Que uma lágrima desgovernada

Trombou no poste da estrada desabitada...

Um erro!

Tentei ler até o fim,

Mas o amargo veneno dos desencontros

Impediu solenemente que a tortura se perpetuasse.

Rasguei promessas em mil pedaços

E segui.

Na sala, os gatos

Na cozinha, os pratos

E em mim?

Não saberia dizer.

Ligada no automático,

Fiz o que havia para ser feito: limpeza, comida e acasos.

Estacionei meu verso num dos quartos

E tentei desempoeirar a vontade de sair dali.

Não consegui.

Correntes indizíveis me mantinham neste não querer estar e no não querer ir.

Agora, há um minuto não mais, revi o vulto daquele amor tão remoto e pensei:

- isso é coisa de véspera de domingo.

Tomei minha dose de realidade e desentupi os ralos,

coisa que faço sempre aos sábados.

Deixei escoar o que não era bom

Deixei que a água levasse o que não era meu

Tive a breve esperança de lavar a alma...

Soda cáustica de quem ousa sonhar.

Retomei os fatos, os gatos e os sapatos

Coloquei todos os livros e CDs em pilhas

E me recolhi em mim, porque não havia mais nenhum outro espaço.

Deixaste a vida sem endereço!

Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 30/05/2015
Código do texto: T5260173
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