Gangorra

O caos supera apologia. eu o caos, a apologia interminável e inútil, o vazio total do caos, o silêncio, o saco sem fundo do caos, os cacos de vidro soltos na goela, as vozes aturdidas gritando sem eco, as cartas intermináveis, o meio da gangorra - imóvel, eu imóvel, tendendo para um lado e outro, escorregando sangue nas veias, a gangorra equilibrista na contra mão, duas vi(d)as, o caos em redor, a náusea do subir-descer-subir-descer-subir da gangorra, o cego cabaré do caos, as cores do subsolo, das masmorras, das explosões, da bagunça, das jagunças, as andanças, nossas vidas, cores do caos, da escuridão! carmesim! enfim, a cor do nosso brinquedo: a gangorra. lembro-me bem, ali sentada em uma das pontas da gangorra de uma pracinha do bairro, eu brincava, descia até que meus pés tocassem a terra solta e seca do chão batido da praça, a poeira solta se levantava e eu era levantada, me impulsionava num fôlego, chutava a terra como quem conseguiria flutuar, subia ora suave ora bruta e eu suava ora num grave empuxo pro alto ou subindo levemente como se tudo fosse rarefeito, eu via o mundo correr às voltas. na ponta da gangorra eu tombava pra cima e pra trás, lá me via com pés soltos, flutuando, balançantes, os olhos rindo em rugas, a boca comendo faminta o mundo, as cores, a brisa, a fumaça, o cheiro das gentes, de tudo, o vento rápido no rosto, o dia, a noite, as crianças crescendo na praça, os velhos sentados a espera do fim, jogando o resto de vida fora-dentro de todo aquele movimento do tempo, eu segurava no ferro como um volante, e soltava, esticava as pernas, me tombava pra trás como se subisse um pouco mais, no entanto era de repente a hora da descida, e de novo ora suave ora brusca, eu descia com pés em ponta, uma vertigem, uma queda, outra queda, outra vertigem, outra imagem se criava diante de mim, rasteiro o chão batido, os pés sentindo o chão, eu me balançando no caos, o cabelo na cara, chegando na praça, a poeira mais densa, o peso de mim, do tempo, do mundo, das quedas, das perdas, das pedras, a queda dos pensamentos, a presença do corpo, eu toda terra, eu toda água, e de novo subia eu toda ar, árvore, céu, chuva, nuvem, pássaro, flor na estufa do mundo...

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 22/06/2015
Reeditado em 12/07/2016
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