Individualidade

Individualidade.

Saiu do banho com os olhos transbordantes de lágrimas. Seria efeito do sabão? Seu íntimo sabia que não, que não, que não... As dores do sabão são superficiais demais pra deixar os olhos naquele estado.Sentou na cama. Sorriu. Os olhos dele a olharam com tanta ternura que ela esmaeceu em pranto convulsivo. As lágrimas dela foram sôfregas, convulsivas, até. Ele não sabia...

Brigaram antes? Não...Chateada por quê, então?!?

Ele não sabia....

Roupas espelhadas no chão, os sapatos desconfigurados num canto do quarto. Ela era assim... Sempre fora assim, desorganizada. Mas sua bagunça tinha um quê de ordem. Sempre roupas empilhadas num mesmo canto.... Sempre sapatos e meias jogados do mesmo lado do guarda-roupa, empilhados, hermeticamente... em cores degradê...

E naquela desordem toda, sempre encontrava tudo. Ou quase tudo. E quando começava a não encontrar... o jeito era arrumar!

Ele nunca reclamou.. nunca mesmo. Casaram-se. Casaram-se realmente, na igreja, como os pais e o padre costumam ditar.

E ele a amava. A amava muito pra querer mudá-la. Gostava da sua preguiça em levantar da cama na hora de acordar. Gostava da sua indecência em enlaçá-lo nos braços no meio da noite, como se perturbar-lhe o sono naquele momento da alta madrugada fosse uma maneira doce de dizer "TE AMO". E gostava das suas arrumações malucas, dos seus cremes inacabáveis, da sua maneira ingênua de andar pelada pela casa... Gostava, apenas.

Ele a amava sublimemente... A amava em céus e cores e sonolências. E pensava em cada passo.. E em cada maluquice. E não seria a desordem que a diminuiria. Respeitavam-se.... Mas agora ela estava chorando!

Não ousou perguntar por quê. Em seus silêncios, sabiam que ela queria apenas silêncio mesmo. Ela -meio-que-sorriu... e ele entendeu que ela queria mesmo era ficar só. Mas ficar só naquele estado?

Chegou perto, como se faz com uma criança assustada. Chegou perto e manso... de [a]braço aberto, de peito-à-queima-roupa... e sorriu. E abraçou, apenas. Acariciou os cabelos... Beijou a testa e deixou. Deixou que chorasse todas as lágrimas vazias que lhe doíam. Entendeu... que dor é dor. Independe da dimensão que temos da dor dos outros. Pra ela era muito. E pra ele bastava saber.... que era dor enorme. E ele estava perto.... Perto, apenas...Deixando ela preservar um pouco da sua dor; e da sua INDIVIDUALIDADE....