Só escolho como conto

Tentei separar a verdade das mentiras que me contaram, não sobrou nada. Então lancei ao espaço todos os conceitos industrializados, para não contaminar o solo do planeta sagrado que é minha casa.

As dúvidas, que achei envoltas numa camada de mistério, usei como sementes no terreno fértil do meu cérebro. Reguei com muitos diálogos, livros, músicas, fotos, fatos. Combati os agentes danosos, boatos, medo, dogmas, ódio e tantos, tantos outros.

Esperava pela luz do Sol, para que florescesse a beleza da essência das coisas, mas ao redor do meu jardim construíram edifícios de inverdades, que geravam sombras medonhas onde tudo definhava.

Só continuei porque não tive escolha, a cuidar dos brotos de ideias que insistiam em vir à tona, com só um fiapo de luz que passava por entre as janelas das pessoas que não estavam encerradas em si mesmas.

Até que num dia frio de inverno, durante o suplício de uma grave doença, sob ameaça daquela verdade infinita, brotou na mesa a primeira poesia. E como se fosse encanto de vidas, brotaram também letras de músicas, melodias de guitarras em ritmos variados, estilos dos mais diversos, desenhos, cores, tons, contos, crônicas, calêndulas, camomilas, e muitas outras flores e plantas, quando eu me dei conta ainda havia uma banda pronta, com o microfone ligado no palco, bem alto, a letra da música que vinha do meu diafragma, saiu pela minha boca, e foi louco todo mundo dançando na pista, se divertindo, foi bom, foi ótimo esse dia.

E depois, bem, nenhum prédio sobrou pra contar o que eu lhes conto, pois embora este texto esteja escrito em uma linguagem criptografada de sonhos, é uma fase da minha verdade e aconteceu de fato, bem assim desse jeito. Na época demorou muitas aulas, por anos, mas agora eu revivo tudo num segundo, em qualquer minuto que eu quiser. Enquanto a minha cabeça estiver ligada, esta preciosidade nunca será roubada, pois num simples feitiço do tempo que me foi definido como pretérito, é que essa história é situada.

E o passado ninguém muda, só escolhe como conta.

Ricardo Selva
Enviado por Ricardo Selva em 03/07/2015
Código do texto: T5297954
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