Sobre os rótulos

Eu sou um poeta e a palavra é a ferramenta que me defende, mas não há nem será criada uma só palavra que me contenha. Nem que todas fossem usadas da forma mais rebuscada, ainda assim terminariam sem que abrangessem todos os aspectos do meu ser. Por mais elaborado que seja qualquer vocabulário, o que são séculos de idade frente aos bilhões de anos que me criaram?

Isto faz com que eu rejeite todos os rótulos que me colocam. Também procuro não rotular as pessoas, por mais adjetivos ou predicados que elas possuam. Não há moral num ser vivente, por mais que seja inteligente, para vir com uma etiqueta nos transformar em camisetas. O rótulo é a raiz de todo e qualquer preconceito.

É mais que desejo de pertencimento, é desejo de excluir o outro o que motiva este hábito, de transformar um sujeito numa palavra e por conta de qualquer detalhe, colocar o condenado separado de quem fala. Pode ser de qualquer modo, não influi no resultado, mas se separam as pessoas como se aparta o gado, no nosso caso são palavras que nos laçam.

Dizem que a elite, assim auto-denominada, criou o proletariado, e são as duas, belas palavras. Mas é em torno delas que se desenvolve a luta de classes, e muitas guerras são travadas para manter cada um do seu lado. Assim também se dá com as nacionalidades e com a fé que a pessoa abraça.

A origem ou raça, opção sexual, classe social, escolaridade, jeito de se comportar e tantos outros detalhes, destilados em substantivos ou adjetivos pejorativos, cumprem a função de realçar qualquer diferença, quiçá transformá-la em ameaça. É assim que os excluídos de qualquer sociedade são determinados, categorizados, assim se justificam seus assassinatos, e quem os mata nem se sente culpado.

A palavra é arte, é verdade, mas alguns a usam como arma. É instrumento de crimes corriqueiros, e também usada para estender a validade de ideias obsoletas, que insistem em espernear apenas por serem convenientes a quem as defende. E mesmo com todos os usos nefastos a que se presta, nunca uma palavra poderá ser culpada pelo dano ou pela mágoa. Quem fere é quem despreza, põe pecha, escracha, esnoba ou agride qualquer pobre azarado que for escolhido e rotulado.

Se uma imagem pode valer por mil palavras, quanto valeria uma atitude? Quantas valem por um ser, cujas atitudes são rotineiras? Estamos todos ainda muito distantes de conhecer qualquer tipo de inteligência que possa nos definir por completo. Há em nós algo além dos simples átomos que nos compõem. Somos poesia em movimento, agora é nosso tempo.

Ricardo Selva
Enviado por Ricardo Selva em 04/07/2015
Código do texto: T5299561
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