SURPRESA
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Seus olhos denotavam surpresa. Afastou com um gesto o espanto e, sem mais delongas, abriu um largo sorriso. Era ele! Quanto tempo fazia que não o via? Impossível calcular. Fechou os olhos numa atitude reflexiva. Livrou-se de uma lágrima teimosa e chegou mais perto. Queria certificar-se de que não estava enganada. O passado não costuma regurgitar essas alegrias com um sabor igual... 

          Era ele sim...  Reconhecia sua grandeza esplêndida. Seu farfalhar lento. Impossível não sentir aquele silêncio que o acompanhava nesses encontros. Ela entendia essa linguagem melíflua do tempo, esse conforto paradoxalmente sombrio e suave que a envolvia. Sua presença era marcante e decisiva. Seus gestos lenientes tocavam a saudade. 

          Ela não conseguia falar. A emoção a devorava por dentro. Ouvia vozes antigas ressoando, ecoando em suas lembranças; aquelas coisas que se dizem nos rituais familiares. Sorrisos de crianças cintilavam em sua memória. E ela permanecia ali estática, esperando alguma resposta para aquela inimaginável surpresa. Voltava agora àquele labirinto em que amontoara dúvidas invariavelmente aflitivas. 

          Até então se apoiara na poesia. Dialogara com a própria voz à exaustão.  Havia sempre esse eco latente que se agigantava e consumia suas energias, mas não se incomodava com as eventuais limitações do momento.

          Ele estava ali e sua presença se delineava nessa dança ágil, nesses gestos cotidianos. Aromas, ruídos, excessos, sombra. Sua ausência fora provocativa. Sua volta, uma retomada, mais um ciclo. 

          Palavras pareciam desdobrar-se sigilosamente dentro da noite. Rítmicas, calorosas. Ela se empenhava em recompor maneiras nesse curioso recorte. Por muito tempo se refugiara num premeditado ostracismo. Perdera-se de si mesma. Anulara-se. Simplesmente vivera para soprar, respirar. Mas naquele momento sentia-se devorada em sua intimidade. Ele estava ali. Ele, o sonho.