E - mail de Câncer

Eu quero morrer!

Uma ideia muito simples, um único sentimento. Mas é fato, um ato falho solucionador.

As vezes me pego perdida. Aqueles momentos em que você se distrai e de repente, se imagina arrancando o próprio coração com uma faca, e apertando enquanto vê o sangue escorrer.

"Eu estou com medo".

O meu próprio inconsciente gritou pra mim nesses mesmos instantes de distração.

Tantas vezes eu senti isso. Durante toda a minha vida. Mas eu tenho vários inconscientes. Vários "eu's" dentro de mim. E um deles me falava: " Não faça esse drama. Você precisa viver! Você não quer demonstrar aos outros essa fraqueza. Isso chama atenção! Não chame atenção! Não chame por nada, nem por ninguém. Isso vai passar e você se resolverá sozinha"

É oque eu tenho feito por anos.

Mas e agora?

"Eu estou com medo"

"Eu quero morrer"

Ninguém passa pela minha mente, não quero que ninguém me escute.

Eu só queria deixar de existir. Eu sei que há coisas maravilhosas que eu poderia viver. Algumas já até vivi. Mas não foi o suficiente, eu não aguentei e tudo se partiu. Tudo partiu. Eu não sei se foi minha culpa. Eu não sei oque eu faço pra resgatar aquela parte de mim que quer estar viva e continuando; buscando motivos para seguir.

Eu só me sinto bem em escapismos sem lucidez. Cheia de pessoas vazias e longe de quem me preenchia. Longe do que me preenchia.

Eu não vejo mais prazer. Não sinto mais nada. Sou uma boneca de plástico, programada pra rir de determinadas piadas. Ser social. A cada dia perdendo a espontaneidade certeira em ser quem eu era, e cada dia numa espontaneidade aleatória praticamente delegada aos seres humanos com felicidade ilusória e na média da população. Onde todos acreditam que é isso... Ser feliz é poder sair no final de semana e perder a noção do que é ou não é real. Onde ser feliz é imaginação, porém, eles acreditam. Eu, naquele momento, acredito.

"Eu estou com medo"

Quase paro de escutar isso. Só me vejo com um coração irreal na mão. Um sangue vermelho irreal. Uma vida ao redor, irreal.

Felicidade irreal. E- mails irreais.

A única coisa que deu ar de verdade aos meus pulmões: outra vida. E não uma outra vida minha, alternativa. Não, foi o nascimento de uma criança.

Interessante como tantos planos podem surgir espontaneamente quando antes aquele ser nem estava ali. Talvez ela possa ser o motivo pra continuar respirando.

E tem aquela parte de mim que não me deixa contar isso pra ninguém. Pois sabe que não adiantará nada. Todas as minhas partes acreditam nisso. Inclusive essa, essa e essa.

Mas tem aquela parte que precisa se expressar, essa esta aqui. É uma parte estranha.

Tem uma parte. Aquela que desistiu das coisas. Aquela que ainda quer desistir e quer seguir o caminho mais fácil. Ela é ambiciosa, não sabe oque lhe espera do outro lado, porém ela... Entretanto eu. Eu quero tanto descansar. Eu não quero pensar se estou certa ou errada. Se ainda vale a pena seguir. E se valer a pena, como seguir, em quem confiar, como agir? Como agir? Eu no fundo só quero permanecer naqueles sonhos vívidos, onde a alegria parecia mais real que os escapismos irreais sem momentos de lucidez e a felicidade e espontaneidade aleatórias delegadas aos pobres humanos carentes e sociais. Eu só quero desistir, essa parte de mim só quer desistir, porque não confia em todas as partes juntas, e não vê saída para uma parte só.

Há outra parte de mim ainda, uma sobrevivente. Atuante. Continua tentando e tentando. Ela não sabe oque tenta, nem oque tentar, mas ela segura as pontas de todas as azaradas desse grupo canceriano. Tantas palavras atribuídas a palavra câncer, penso eu agora. Ou deveria dizer, pensamos nós agora?