Tratado sobre a inconstância
E o que é a vida, sem inconstância e exageros???
Mero copo d’água que não canta, nem se opõe às pequenas desventuras. Que se transforma em seus estados físicos, mas não se deleita com o saciar da sede, não se aquieta ao som de Guarnieri.
Entre a amplitude das inquietudes e o passo linear dos acontecimentos, fico com os momentos de grito e paz das minhas entranhas.
Se nessa tarde tentam me tirar o prazer de estar vivo e me roubar o espelho da criança que nunca morre, é por causa da tentativa de manter-se líneo. É por saciar-se, infantilmente, com um horizonte pleno e previsível, como se num túnel mirasse um objeto, frio e atingível.
Claro que o alvo do arqueiro está lá, peça intacta, visível e mórbida.
Mas meu futuro não é um objeto.
E entre ele e eu, meus tropeços. Meus nervos e meus alvos gritam e dançam. Me recebem e me expelem. Me acariciam e torturam.
Só me aceito como raiz adventícia, como algo que suspira ao mais leve movimento do mar. Nunca como estaca, palafita firme e quase inútil.
Não planejo meus passos. Não subo e desço escadas matematicamente. Permito desvios e devaneios de modo que me perca, de modo que me encontre.