Há tempo

"O que sou, onde vou, tudo em vão

Tempo de silêncio e solidão"

(Rita Ribeiro)

"Himalaia himeneu

Esse homem nú sou eu

Olhos de contemplação"

(Chico César)

Há tempo de densas neblinas, de desertos mais extensos e há tempo muito inóspito. Há tempo debaixo de escombros e de percorrer ruínas em busca de passos e de tirar o pó das covas. Exumar o corpo de idéias e o monturo de ossos. Há tempo de pó na garganta pranto quase engolido sem nem regurgitado, há tempo de nem chorar e de nem rir. Há tempo de distâncias dilacerantes e de saudades. Saudades de nem mais existir. Há o tempo de perdas e pôr coroas sobre pedras e cobrir de pétalas histórias partidas. Há tempo de longos ermos e tempo de irmos. Há tempo de finalizar memórias e de começar outras invenções apenas com a força do texto. Até sangrar o dedo. Sem pausa. Nem mais peso. Há tempo de encontrar novos personagens-perguntas (eu sei sem respostas) para as próprias pregas de peças. Infinitésimo Ato. Papéis que se cumpriram muito bem a mercê do palco passadiço. E da platéia que dormia. O fundo falso não esqueço há tempo. Ali participo sem cochichos nem cochilos. Alíás, há tempo de dormir. Meu pé de laranja lima que eu não vi. Há tempo do tão amargo. Há tempo de secas que craquelam até o brilho dos olhos e tempo de cheias desastrosas e ventos afiados que cortam todas as esperanças. Há tempo de nem saber que tempo é esse que é o tempo de perplexidade. Há tempo de resistir, de superar. Há tempo de encontrar. Há tempo de dizer e de escutar. Há mais tempo de escutar. Escutar. Esculturar. Há tempo de dizer. De dizer muito. Há muito tempo... Há tempo sempre de crescer. Há tempo de ficar perto e de ir muito mais longe. Mais longe que é assim que se vai. Há tempo de voltar e velar. E rever. E esquecer. Há tempo de fragilidades absurdas e tempo de ser forte suficiente pra chorar. Ressurgir, ressuscitar. Há tempo de noites sem sonhos e há tempo de dias no escuro pra apalpar. Há tempo de descobrir e duvidar. e de ter certeza do que não se via. Há tempo de agora olhar e enxergar. Há tempo de faltas e ausências de nem se calcular, há tempo só de contemplar e observar e há tempo de não mais estar.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 22/10/2015
Reeditado em 23/10/2015
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