FELICIDADE DESPERCEBIDA

Até que venhamos existir muita coisa acontece. E quando falo muita coisa relaciono ao percurso que fazemos até existir. São tantos encontros e desencontros que fogem da nossa mera capacidade de imaginá-los. Mas vivemos, e a vida faz movimentos que passam despercebidos, em um momento estamos com alguém, o temos e o guardamos como um tesouro riquíssimo, em outro momento esse mesmo alguém passa a não ser tão importante e aprendemos que conseguimos passar sem ele. São tantas voltas que a vida dá, nestas voltas conhecemos várias pessoas, selecionamos algumas para fazerem parte de nossas vidas e levamos estas até onde elas quiserem ir conosco, muitas vezes nos decepcionamos, em outras nos alegramos e conseguimos viver, pois esta é a lógica na qual estamos inseridos.

E numa destas voltas Alice descobriu que não era quem pensou que fosse, que o meio no qual ela estava inserida era tão desconhecido, que passava até despercebido. Daí ela passou a entender por que se sentia tão estranha, por que haviam tantas diferenças entre ela e sua irmã. Elas sempre foram muito diferentes, na personalidade, na aparência, tudo parecia muito distinto entre elas, a maneira como eram tratadas, embora de fato fossem irmãs. No entanto naquele dia ela reconheceu que sua família, não era sua por completa, era da sua irmã, mas não era dela, apesar de sempre perceber isso, deixou que essas coisas passassem despercebidas pelas outras pessoas.

Um dia ela descobriu também que alguém é composto por duas partes distintas, que compõem um todo diferente, mas igual. Diferente por ser outro alguém e igual por possuir características em comum com aquelas pessoas. Mas ela percebeu que era incompleta, pois lhe faltava uma parte, lhe faltava e não faltava. O que eu quero dizer é que ela tinha uma de suas metades, mas a outra com a qual ela tentava se completar não era dela, não encaixava, não lhe cabia, era uma prótese que a sustentava, mas ela não estava completa, e também deixou que isso passasse despercebido.

Ah! Mas todo mundo tinha sua metade, todo mundo era completo, inclusive ela aparentemente. Então ela tentou se resolver com o que tinha mesmo e por muito tempo ela creu que deu certo, mas não deu por que aquela prótese rejeitou seu organismo, não quis amar, talvez por não saber, ou porque não quisesse mesmo. Ela viveu muito tempo com aquela prótese na esperança de que ela a sustentasse, a guiasse e a amasse . Até entender que não teria amor, que não teria carinho, que aquela prótese a machucaria, pois não queria se adaptar a ela.

Ela chorava, perguntava-se porque tinha quer usar prótese enquanto todo mundo usava a sua verdadeira metade, perguntava-se por que não era amada, por que foi rejeitada e por onde andava sua verdadeira parte. Depois do choro percebeu que poderia tentar outra vez, vai vê se fizesse um ajuste aquela prótese não a machucaria mais, e amou, cuidou, sonhou, todos diziam que a prótese caberia nela, as pessoas pensavam que seria a mesma coisa que usar a sua verdadeira metade,a qual ela não conhecia. Por que todos acreditavam ela também acreditou. Mas nada adiantou, a medida que a menina crescia piorava e ela, coitada chorava, se culpava, era culpada.

Tudo que ela desejava era ser completa, um amor singelo e sincero oferecia. Era ela alguém disposta a amar completamente, desejava ser feliz, mas não conseguia e o pior não entendia por que. E em vários momentos ela desejou ter a sua metade, imaginava-se encaixando direitinho com ela, queria abraçar, vivenciar momentos inesquecíveis e conseguiu em baixo do seu lençol na madrugada fria na qual tinha como companhia suas lágrimas, ela não sabia se essas lágrimas liberavam a saudade de uma metade que não conhecia ou a tristeza de ter uma prótese que não cabia ou ainda por vivenciar aquela agonia, mas ela desconfiava que essas lágrimas na verdade denunciavam a falta de algo e que aquela prótese que a arrumaram com boa intenção não caberia, não ocuparia. Ela desejou em alguns momentos que não tivesse arrumado aquela prótese, pois ela queria ser completa, mas tinha sensação que havia sido desmembrada, separada, rejeitada. A mataram quando resolveram desmembrá-la, jogaram toda e qualquer possibilidade de ser completa por inteiro, por enúmeros motivos decidiram que ela seria incompleta.

Ela imaginava-se inteira, crescendo inteira, sendo inteira. É a vida dá voltas, ela já não era mais a menina de ontem, era hoje uma mulher, decidida, com algumas cicatrizes, mas era ela mesma, cheia de percas, de experiências que valerão para sua vida inteira. Ele cresceu com uma prótese, isso foi ruim , mas o tempo mostrou que era necessário, e entendeu que jamais poderia usá-la sem ganhar machucados, foi necessário usa aquela prótese para aprender a amar, não por ela ter ensinado a maneira certa, mas a errada. E a metade? Com o passar do tempo ela finalmente a achou, ou melhor , a metade resolveu procurar por ela, pois é essa metade tinha pleno conhecimento de sua existência, estava mais perto do que ela pudesse imaginar. Não, ela não estava em outro país, nem em outro estado tampouco em outra cidade estava ali debaixo do seu nariz, só não dava a mínima para sua existência.

E ela? Ela cresceu tão firme como o solo em que pisava, percebeu que sua metade não faria diferença, pois não a completaria. Enxugou as lágrimas, assumiu que não era tão necessária sua outra parte desconhecida, largou a prótese e percebeu que não era incompleta, pois mesmo que tivesse apenas um lado se sustentava muito bem. É, aquela metade que ela sempre carregou, que sempre esteve ao seu lado que a amou, que cuidou , estava ali e lhe bastava para que ela se sustentasse em pé. Olhou para trás e viu o quanto foi sofrido e desnecessário lamentar por uma prótese que não cabia e por uma metade que não existia... abraçou sua inseparável metade e a amou incondicionalmente assim como tinha sido amada enquanto sofria o descontentamento de ser incompleta quando na verdade era completa e não percebia

Driely xavier
Enviado por Driely xavier em 29/10/2015
Reeditado em 20/08/2020
Código do texto: T5431061
Classificação de conteúdo: seguro