Poeminha com asa

(Para meu tio Tomaz, in memoriam)

Todos estão partindo em pássaros transmutados.

Tenho uma saudade em estado bruto.

Uma vontade de ir também.

Voar atrás... Voar em bando.

Os cabelos brancos de meu tio Tomaz

Ainda estão entre meus dedos de criança

Trocados por moedinhas que não valiam nada,

Mas que me eram pagas por ele como um afago.

Sua chegada à porta de casa,

Soletrando "pixaninha", como costumava me chamar,

Ainda ecoa em mim.

Prendi o choro.

Aguei a despedida para desafiar qualquer certeza deixada pela morte.

Ainda posso vê-lo com sua camisa surrada,

Máscara no rosto,

Cortando, costurando, contando e embalando

Os fardos de flanela

Que ele fabricava sem cansar.

Posso até me lembrar dele, deitado, caderneta na mão,

calculadora ligada, me mostrando as saídas e entradas daquele seu negócio.

E eu, ali, olhando a cabeça toda branca, que eu já não catava,

Mas que, para sempre, estaria pousada no meu colo de menina,

Como se o tempo nunca pudesse parar para nós.

Por isso, hoje, somente agora,

15 dias após o anúncio de sua ida,

Seguindo voo como a justificar a imensidão que paira sobre mim,

Em meio ao sol e ao azul,

Consigo usar os dedos para catar letras,

Na esperança, quem sabe,

Que ele me dê alguma moedinha

Capaz de me afagar na sua falta.

Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 29/11/2015
Reeditado em 29/11/2015
Código do texto: T5464738
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.