Bodas de couro e trigo

 
para o ouro que sigo
Micaele, este couro e trigo


O terço de suas mãos levado ao altar de nosso enlace é nossa oração silenciada no peito para que sempre nos fale. E caminhamos seguros sob a bênção firmada há três anos diante do altar daquela escada. O manjar de trigo que nos foi ofertado é o alimento maior, o Corpo de Cristo Sagrado. E, seguindo o mandamento de nosso sim, nos alimentamos do fruto de nosso trabalho. O couro de meu chapéu é perfumado com sua morena pele rosé, aroma perpétuo da grinalda e buquê.

Este ano terceiro de nossas mãos atadas se alongou como versos modernos sem estrofes rimadas. Apesar de abrigados em nosso ninho, revoadas ruflavam sob nossos tetos. O mundo chicoteando-se em falta de carinho, enquanto nós encolhidos nos afetos. Segredamos nosso lar a mãos modestas que nos aliviaram de contínuas tarefas. A compensação destas, porém, repassamos ao ofício magistral que escolhemos, ou que escolheu a nós, pela sensibilidade que temos. E ganhou força o labor a nos alertar de que só conseguimos com amor a conjugação do verbo ensinar.

A suavidade nos agracia pelas mãos de seletos amigos que nos confiam sua filha. Assim apadrinhamos um rebento que plantou em nosso peito a semente vindoura de nosso Bento. Se tivéssemos um roçado no lombo subiríamos de um cavalo. Mas o que nos leva aos nossos traçados é o calor quente do asfalto. E para nos achegarmos mais juntinhos e dinamizar nossas distâncias eis que o Corcel Negro nos acompanha. Os olhos se alargaram nas estradas, e até nossos pais levamos a diamantes estadas. Cidades, rios, cachoeiras, matas, igrejas, museus, companheiros, companheiras... E crescido este gosto de aventura saborosa chega-nos enfim a nossa Poderosa.

O vento soprando em nosso rosto tornou-se o ar de um repouso que nos alivia após a semana ou o intenso dia. E juntos diários escrevemos, meu amor, de pousos e voos. Ampliamos nossos passos sempre juntos dados, tal uma Irmandade de amizades e de amados. E solo nós, minha morena de neve, receber da Rosa das letras a primeira sagração, a nos lembrar de que somos sertão, pois somos de couro, surgidos da “idade do couro”, “os encourados”, homo coriaceus: uma variedade humana. E deste sertão grande de veredas, vamos, minha flor, entrar neste quarto de belezas...

 

Seu Márcio
Ano III - 15 de dezembro de 2015.