Amores Platônicos....

A menina releu calmamente todas as cartas mais antigas. Releu o mais belo dos poemas ditos e relidos.. e procurou, na lembrança, aquela voz que em primeira instância lhe dizia o "Eu te amo" mais sonoro dos ouvidos. Lhe passaram todas as coisas pela cabeça, como uma comédia romântica sem fim... o que, defato era.

A menina se olhou de forma tão meticulosa.. e sentiu medo.. e ao mesmo tempo tristeza. Estava fora dos moldes. Estava muito fora dos moldes das belezas das meninas bonitas do seu tempo. Talvez estivesse mais bonita ainda que as belezas mais bonitas, porque estava de alma nua e aberta. Mas os homens de plástico de sua época não poderiam ver tanta beleza.. que estava escondida. Mas nem os homens de plástico, de pedra ou dos sonhos podiam estar perto.. da menina-desenho... Rascunho de Deus em folhas diferentes das outras.

Perguntou-se pela sua solidão demorada.. dos tempos em que estar só parecia estar menos.. só. Sentiu falta da falta do menino do Rio.. sentiu falta tanta.. que a dor tremenda lhe doeu a alma, já dolorida, imensa.

A menina sentiu-se ainda mais menina, e mais ainda vazia. Regou as plantas, sorriu. E deixou-se ir, em pensamentos de menina. Neles procurava um rosto: um rosto de homem recheado de menino. Aquele rosto que lhe percorria a alma há tanto tempo, o rosto DELE. Um rosto que estava tão longe do possível, e mais ainda do palpável....

O quintal enorme, o pedaço de cama enorme, mais enorme ainda. Espaços vazios preenchidos com ar: o espaço deixado, pra que fosse tomado por um corpo, não pela saudade. Sentiu-se nostálgica demais, temente demais, da vida. sentiu-se diminuída.... ainda se ainda....

Sentiu-se menina, diante de um homem tão abismo. Entre os dois um pedaço de terra que desmoronava e espirrava-lhe nos pés, soterrando-a em si. A dor, o choque, o exílio. A solidão estando perto. O medo de que ele a descobrisse. O medo de que nem amizade mais fosse possível... o medo de que fosse um terrível engano.

Contemplavam-se. Completavam-se. Pareciam-se, em dores e alegrias. Talvez fosse o homem da vida dela. Mas ela só tinha vinte anos.... e ele, trinta e cinco. E ainda tinha a geografia.... o mundo, a fé,a ausência - estrada. O medo, o mundo e os modos. Os abismos.....