Espere um pouco

Domingo de carnaval ensolarado, quente e bastante zuada na cidade. Poderia ser diferente? Não sei! Estou na biblioteca tentando “fugir” de tudo isso e fazendo algumas leituras factuais para compreender melhor a pós-modernidade. É uma temática recorrente nas minhas diversas pesquisas e já faz parte das minhas “inquietações” filosóficas e ontológicas. Naturalmente, em cima da escrivaninha, além do notebook plugado na internet, estão livros e mais livros espalhado para análise e meticulosa leitura. De certa forma, uma “bagunça livresca e introspectiva! ”.

Tão imerso na temática que esqueci de um detalhe importante. Sim. Sei que você está batendo na porta e pede loucamente para entrar, mas não posso deixar você entrar agora! Aqui dentro está tudo desorganizado. Além da desordem física do espaço, tem também a dimensão de erupção vulcânica de sentimentos que carrego no mais recôndito do meu interior. O que está acontecendo é insólito e estranho! Como sentir falta de quem não queremos “sentir” esta ausência? Seria o feedback pragmático da pós-modernidade nas relações interpessoais, trazendo o gérmen da intranquilidade pela consequência? Não deixa de ter uma certa dose de esquizofrenia e masoquismo!

Opa! Mais uma batida forte na porta que dá acesso à biblioteca! Mais uma vez tinha esquecido que você quer entrar. Porém, o lapso de tempo entre o seu bater na porta e a minha atitude de abri-la, veio a ideia de que a pós-modernidade retoma a Modernidade sem o seu processo ilusório. A realidade é tratada como ela é, sem a perspectiva da mudança e esvazia a dimensão semiótica, principalmente os espontâneos. A pós-modernidade inviabiliza um projeto idealizado pela História. Parece ser uma espécie de liquefação da Modernidade. A incerteza e/ou a ambiguidade humana gera uma cultura de risco. Opa! Não ouço mais a batida na porta! Você desistiu de entrar?

Você sabe que faz parte do meu passado e preciso arrumar a minha alma para reencontrar-te! Deverias ter avisado que viria me visitar! Tens consciência, assim espero, que me fizestes frágil e inseguro! Incrível perceber que a pós-modernidade caracteriza-se por um alto teor de angústia, porque depende da intersubjetividade, e, por conseguinte, da relação com o outro, impregnado de tempos, de histórias, de encontros, de desencontros. Quantas coisas estão acontecendo entre o seu bater na porta e minha indisposição “proposital” para que não entres. Parece-me que você percebeu!

Você ainda quer entrar? Onde está a batida na porta? É angustiante este silêncio do querer e não ter! Faz parte da pós-modernidade impessoalizar a capacidade de decisão individual. Vem à minha mímesis que “tudo o que é sólido” parece desmanchar-se no ar e que foi magistralmente conceituado por Zygmund Baumann com a metáfora da “modernidade líquida”. Vem agora um certo vazio, carência de sentido da vida e precariedade dos laços afetivos. É constante a impermanência das relações. O amor também agora é “líquido”.

Não há mais a batida na porta. Silêncio total. Vou colocar o lixo para fora, nele estarão as lembranças dolorosas. É imprescindível guardar os sorrisos e disfarçar as lágrimas! Quero resgatar a autoridade da responsabilidade do “Eu” para com o “Outro”, para sensibilizar-me com a finitude humana a partir da proximidade (proximidade?) com o Outro. Apesar da ambivalência e instabilidade das emoções, quero estar junto com o outro. Eras tão estranho e distante, por que és um abismo infinito. És o meu limite na medida da minha liberdade. Livros, sentimentos, silêncio, porta, batida e bagunça se tornaram um amálgama!

Enfim, preciso terminar de limpar e reorganizar tudo isso e permitir, se é que ainda estás querendo entrar, que entres. Não quero causar má impressão, o passado tem seu lugar cristalizado e necessito cicatrizar algumas “coisas” e quem sabe podemos reatar a nossa amizade. Ufa! Estou acabando!

Olá! Que bom que você veio! Vamos entrar e sentar!

Professor Luiz Carlos
Enviado por Professor Luiz Carlos em 09/02/2016
Código do texto: T5538201
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