SÃO GONÇALO-PB: Gênese de um Vale

No princípio, era um imenso vale retilíneo e verdejante, encantado de beleza, bonito por natureza, imaculado e quase desabitado; ocupado apenas pela caatinga e por alguns grupos de silvícolas. Em suas veias, escorriam águas intocáveis e cristalinas. Água doce da melhor qualidade, banhando aluviões férteis, distribuindo vida e abundância desde a serra do bongá, na divisa com estado do Ceará, até o extremo leste das terras potiguares, abraçando a infinitude do mar.

O rio corria o seu próprio destino, traçado desde as primeiras linhas do livro sagrado cristão. Não era barrado em nenhuma parte de seu corpo, de seu curso. Não havia necessidade nem obsessão em ser perenizado. Os peixes iam e vinham, livremente. Por onde passava, o rio provocava um rastro de reconstrução sobre a murchudez e sequidão das terras áridas.

O vale era regido apenas pelas leis da natureza. Não possuía dono, era de todos. Contudo, tinha sua guarda confiada em mãos seguras. Era vigiado de perto por uma serra monumental, bem vestida de juremas, aroeiras e angicos. Na sua base, por debaixo de suas vestimentas, escondia uma enorme e fabulosa pedreira, que teria grande serventia no futuro, no século XX, com a chegada dos homens brancos americanizados.

Era um vale natural, sem estradas, sem veículos de qualquer tipo. Possuía apenas acanhadas trilhas, que conduziam os seus nativos, animais e gente, muitas vezes em círculos, sem rumos ou futuro definido.

A modernidade das lamparinas a querosene e lampiões a gás ainda não haviam chegado para combater as trevas e penumbras sertanejas. Apenas sol, lua e estrelas separavam a escuridão da luz. Ao longo do dia e noite, estrelas e satélite transformavam a verdidão do vale em um carrossel de cores vivas.

A vida, na amplitude e vastidão do sertão, corria lenta, sem pressa. Até mesmo o vento, que soprava rasteiro e sem destino, em silêncio catacumbal, agia sem afobação. Mas um dia, tudo mudaria...

Séculos depois, começaram a chegar homens de pele esbranquiçada, com linguajar de outro mundo, que ninguém entendia nada, e corpo acobertado com um material estranho, dos pés à cabeça. Somente a face e os braços à mostra. Não eram civilizados. Tinham gosto de sangue na boca e de dominação nos olhos. Possuíam instrumentos de aço que cuspiam fogo a distância. Eram armas certeiras, mortais, sanguinárias. Chegaram para matar.

Em pouco tempo, o vale se avermelhou em lágrimas de sangue, com a derrubada de parte da mata virgem, a exterminação e expulsão dos indígenas de sua terra natal.

O rio e a serra presenciaram aquele massacre, mas nada puderam fazer. Não eram páreos para aqueles exércitos desumanos. Até hoje, são as únicas testemunhas vivas daquele mortifício.

A partir daquele momento nefasto, o vale passou a ter novos mandatários. Eram estrangeiros de longes terras. Vieram fazer uma nova história às custas do sangue vermelho dos nativos e da seiva verde da floresta.