É ferida que dói e que se sente
Isso não é sobre precisar ter alguém.
Não é sobre ter encontrado alguém que coubesse em meus sonhos.
Você nem cabia nos meus sonhos.
Eu quero casa, você quer apartamento
eu quero campo, você quer cidade
eu quero sítio, você quer praia
eu frio, você calor
eu quero sofá, você quer rua
você quer gatos, e eu, cães.
Você não cabe nos meus sonhos.
Você nem queria casar... dizia querer ter seu canto, sua privacidade.
Mas é que não é sobre nada disso...
Não é sobre procurar desesperadamente por um amor com sabor de rede e fruta mordida.
Nem sobre fazer planos:
com você podia ser em qualquer lugar. Na cidade, na praia, na rua, num apartamento com mil gatos ou eu na minha casa e você na sua. Numa metrópole quente e caótica mesmo.
Porque isso é sobre amor.
Não é sobre expectativas frustradas, nem sonhos desfeitos.
Não é sobre decepção.
Não é sobre metades de laranjas nem tampas de panelas.
Não é sobre ter achado um encaixe tão bom que pareça impossível ter outro melhor.
Não é sobre não saber viver sem você.
Porque não é sobre apego...
É sobre saudade.
É sobre não saber tirar você de mim.
Mas não é sobre luto. Já passou do tempo. Eu já me recompus, desenhei um sorriso e segui adiante.
E já não é mais sobre arrependimento também
nem culpa, nem a falta de sentido, nem o rumo estranho que tudo tomou
ou sobre esse vazio ecoico que você deixou.
Vê?
Não há nada a que eu possa atribuir essa dor discreta e surda,
essa coisa gelada no peito,
esse suspiro profundo que me vem inoportuno quando pareço tão bem.
Porque não é mais sobre tristeza ou solidão.
Já não se pode dizer que é carência ou ciúme ou orgulho ferido ou mesmo força do hábito. A gente já nem se fala. Nem se encontra. Eu já nem posso falar em desejo ou paixão. Acho até que expirou o prazo.
Eu queria poder falar em admiração, fanatismo. Loucura. Algum tipo assim de sentimento patológico que se pudesse tratar. Algum tipo assim de obsessão.
Mas nem forçando muito a barra eu poderia me agarrar a tão absurda explicação.
Porque eu não te esperei, não te procurei,
eu não precisava de você.
Eu não te pintei com outras cores. Não te fantasiei de outra coisa. Não criei uma projeção ou um personagem.
Era exatamente você ali, o tempo todo, sem roupa e sem maquiagem, e eu sem óculos nenhum. Te olhando de pálpebras bem abertas. Te sentindo perto quase dentro.
Ciente, presente, atenta e disposta.
...E é por isso que tá tão difícil.
Porque isso é sobre amor.
E só.