Paradoxo predileto

Escrever é formar um par que dança sobre as nuvens brancas e os tablados de mármore com a inspiração, confraternizar com a gota de café que baila no céu da boca, quentinha e amarga, mas também revigorante. Não se trata de idealizar uma mocinha perfeita em um contexto onde tudo a favorece, quem faz isso apenas está confessando sua insatisfação como sendo um apelo, um grito de socorro.

Escrever requer conversar com o leitor sem necessariamente estar olhando nos olhos dele quando as letrinhas em certa fonte estão no tamanho 12 e são lidas pela alma também aonde quer que você se encontre agora. É fazê-lo rir contigo, chorar o seu choro, brincar de adivinhar, te proporcionar um passaporte inteiramente gratuito na primeira classe para percorrer mundos atemporais. Interpretar muito do que não é dito, mas sem extravagâncias, portanto largue essas quatro pedras que segura por entre as mãos, use-as para outros fins, não para humilhar um escritor só porque você tinha uma expectativa e ele não a cumpriu.

Escrever também é se preparar para lidar com críticas levadas para o lado pessoal. Tem quem se sinta o centro do mundo e ao primeiro indício de discrepância já se arma para o ataque, tem gente arrogante o bastante para desmerecer as considerações alheias (eu mesmo não gostando de um livro ou de uma determinada narrativa não me sinto no direito de dizer que cortaria metade de um livro ou coisa do tipo). Parece engraçado, mas é desastroso e desanimador, tanto quanto é dar o máximo de amor por uma história e o público preferir se iludir com a romantização da vida perfeita de alguém que parece ideal, sendo que esse protótipo de perfeição por si só exclui a todos e cria um mundo irritante demais até para ser visitado.

Escrever é fazer da decepção um novo caminho, canalizando sem ódio alguma experiência que pode servir de consolo no armário da posteridade. Ninguém nunca vai saber o bastante que não possa aprender. Falo também de ir suportando cada derrota, cada lágrima, cada ausência de resposta e ir aprendendo na prática o que é ser gente grande.

Escrever é treino, muito trabalho, porque a inspiração quando vem quer ser valorizada e apesar de astuta, é detalhista e bem que merece um bom espaço nesse texto, uma caracterização bastante justa.

Ninguém nasce sendo genial. O escritor é um perfeccionista por natureza. É o leitor que devora um mesmo texto mais de mil vezes e diz a si mesmo que poderia ter feito melhor. É ler de um jeito que nunca cogitou antes. É também ter milhares de ideias quando não há nem um guardanapo por perto para anotar o que quer que seja. É também viver várias vidas no caso de quem debocha do comportamento antissocial um tanto necessário para comungar com a disciplina, porém solidão demais também prejudica os pensamentos nocivos grudam no teto do verso e não passam de pichações, diferentemente daquela tristeza que se presta a ser artística e é aproveitável, do modo que cabe. Se café em excesso piora a gastrite, reclusão na mesma proporção faz mal para a alma. Se a madrugada guarda respostas para as manhãs de luta, a luz do sol também é um calmante.

Escrever é reler a realidade, uma fatia importante da ficção, uma depende da outra para existir, embora haja discussões, nesse momento não quero aprofundar as conclusões, apenas explicar que escrever é mais do que criar um casal perfeito, mais do que plagiar a ideia de outro autor e cansá-la, mais do que banalizar um estereótipo e sanar as fantasias manipuláveis da perfeição contestável.

Escrever é se eternizar na estante do coração de alguém. A escrita que move a vontade perdura pelas gerações vindouras e noite após noite sempre será o beijo especial de alguém. Tem de ser sensível o bastante para reconhecer a importância de um escritor.

Posso ser a escritora que vai ajudar alguém a encontrar o livro da sua vida. Não tenho pretensão de ser a melhor do mundo nem quero arcar com essa responsabilidade, só desejo que compreendam que não se trata de uma receita de bolo, e se assim for o caso, a minha receita vai ter muito de mim, você perceberá isso quando morder o primeiro pedaço. A minha escrita tem um tempero distinto, não quer ser absoluta, só quer existir.

Escrever é o meu paradoxo predileto.

Fevereiro/2015

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 26/05/2016
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