A última Ave

Na manhã nublada, no meio da estrada, pousou a criatura solitária;

A última ave, o ornamento colorido, vivo, a lembrança de que o passado jamais voltará.

O contraste límpido com o cinza não-mais-vivo do mundo que veio a se construir então; e que nele existo desejando um lugar que já foi digerido pela grande máquina.

Mas ali esteve a última ave, o ultimo resquício de vida abaixo deste sol que nos alimenta. Ali ela esteve, e ali eu a vi, e num momento de lucidez fora da embriaguez de morte em concreto, senti no meu peito bater um lampejo doloroso de vida e prazer, nascendo por poucos instantes a beleza da poesia e da verdade esquecida, a liberdade fora das amarras.

E num baque, um bater de asas, voava ela, junto com a sua e a minha liberdade, mas deixando para trás o sonho, o que manteria vivo de quando em quando a humanidade em mim, o sonho de liberdade e de beleza, o desejo mais poderoso, o de criar asas e voar, acima do mundo, para fora dos muros da prata morta, para a os campos de ouro verde e veias regadas a um sangue azul, que talvez exista em algum lugar além dos meus sonhos mais comuns.