A Calhandra
Grasna pela noite, criatura triste
Espalhe pela neblina da madrugada
O teu soluçar contido.
Quem na verdade és?
Vulto turvo escondido nas sombras
Presença imposta que o ébano corou.
Por que persegues a mim?
Desafortunada figura noturna
Perdida nas tétricas ruas de Candarrá.
Deixe-me seguir com a malograda vida
Herdada de um passado em debalde
Fardo régio de um destino injusto
Não vá desperdiçar seu canto aluado
Com minha historia medíocre.
Voe para bem longe
Leve consigo este teu grasnar tristonho
Nascido do remorso e do meu desgosto
Afaste tua melodia lúgubre desse existir
Forjado na mais profunda inércia.
Para que tripudiar sobre tão confusa alma
escavando nos meandros dos pensamentos
Memórias dilaceradas por magoas vendidas.
Ciente sou, que carregas aprisionada
A alma daquela que roubou meu coração
Quiça, se outrora fosse hora
Viveríamos na plenitude dos nossos sentimentos.
Reza a lenda que a calhandra da noite
Segue todos aqueles a quem a culpa atormenta
A cada por do sol e em cada morrer da lua
Seu canto entoa em coro o lamento insano
De todas as almas que sucumbiram um dia de amor.
Se assim for, peço que esqueça-me
Não sou merecedor de tão dedicada atenção
Busque grasnar tua cantiga fúnebre
Para outro que usufrua de algum tipo de vida
Já que, isso que possuo, jamais será uma.