O câncer

Se pudéssemos imaginar como dói estar sozinho numa cama de hospital com uma doença que aos poucos destrói as suas células atrofiando os seus músculos, e enfim toma conta de todo o seu corpo, a vontade de comer já não existe, a sede é constante, mas não consigo beber a água que poderia saciar a minha sede.

Chamar isso de tristeza seria uma bondade minha, tudo não passa de um tormento que por obrigação me fará ver toda a minha vida, todos os meus erros, a cada instante em que eu poderia ser amável tornei-me duro, insensível; momento em que poderia dizer palavras dóceis preferi machucar com a minha amargura; momento em que muitos precisavam de ajuda, compreensão, fui implacável como rocha; momento em que poderia ser flexível e amoroso com as pessoas, fui o espinho de uma rosa; momento em que meu coração fechou para o amor, era exatamente esse instante que ele tinha muito a oferecer.

Agora vejo em minha vida o quanto perdi, quantos risos poderia ter visto em minha sala de aula, quantas brincadeiras inofensivas poderiam ter ocorrido em minha presença, quantos olhares acolhedores e amorosos poderiam ter sentido em minha direção, quantas palavras doces e desabafos ouviria se eu tivesse dado oportunidade para isso, não tive tempo para nenhuma dessas maravilhas pois estive muito ocupado com minhas leituras, com o meu trabalho, com o meu progresso, com o meu doutorado em Cuba, e o tempo foi passando e o meu coração cada vez mais endurecia.

Hoje, numa cama de um hospital, percebo em cada detalhe de minha vida o quanto não fui feliz, olho para o relógio e vejo a hora da visita, ninguém vem me ver, horas de exames já não me cansa mais, e o câncer já não me incomoda, pois não o sinto, determinados momentos há pequenas dores, mas logo se alivia.

Agora não tenho forças para lutar a favor da vida, é engraçado o que acontece, se antes eu tinha que escolher entre uma tese direcionada a Carlos Drummond de Andrade ou Fernando Pessoa, nesse local eu preciso escolher entre a vida e a morte, entre permancer sofrendo ou ir para um lugar eterno, estive seguro por muito tempo, mas aogra eu tenho medo, tenho isegurança, tenho solidão, livros já não me acompanham mais, só me lembro de algumas poesias de Mário de Andrade, Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade: "Os meus ombros não suportam o mundo". Eu não suporto mais viver, não suporto estar aqui, não suporto as minhas falhas, e já estou sentindo a hora de parar, parar de pensar, de relembrar o meu passado.

Adeus, estou indo para os braços de Deus, se me resta ainda essa esperança, minhas forças estão se enfraquecendo e se você me dê licença, vou dormir agora, pois sinto o cansaço do corpo e o clamor do meu espírito, ele já quer partir. Adeus, até um dia e não esqueça de amar, viver, sorrir e fazer que essa vida se espalhe para que os outros sintam essa força e faça o outro sentir a felicidade que há em você e veja o mundo e as pessoas com olhos de amor e paz, de esperança e alegria, com olhos de Deus.