CAPÍTULO PRIMEIRO - PALAVRAS CRUZADAS

Saudade. Pronto. Apenas isso. Nada mais. Saudade entre os dedos e descendo pelo pescoço, saudade de lábios molhados, de mãos fortes presas aos meus ombros e muita respiração, tensa respiração, ríspida respiração. Já disse tudo e não quero mais dizer nada, não quero mais entregar o jogo porque nenhuma dose será suficiente para que eu possa em mim ser eu. Saudade de mim e de você ao mesmo tempo, porque houve um tempo que fomos um, apenas um. Você me tinha e eu a você. Existia a pipoca, nela o desejo de repetir o filme tantas vezes visto. Saudade de mudar o final de tudo, até o fim da festa quando ainda queríamos continuar comemorando, dançando pelo salão feito bonecos de bolo de casamento. Meus dedos estão trêmulos e eu me deixando levar pelo embalo do frio da espinha, arrepiado a ressaca da última dose nunca bebida. Ai, lembrar é sentir você aqui, a rede e o balanço dos nossos corpos. Fazíamos café e esperávamos a manhã nascer ali mais no horizonte! O café era apenas a desculpa de queimar os lábios necessitados de sua remissão. Aceita mais uma xícara? Estou farto de tudo isso e nem pude terminar os últimos versos, não deu tempo, a chaleira apitou antes e ficamos tão contentes que a fumaça olhada nos fez delirar na vontade de também ferver o sangue e a gente ferveu ali mesmo sobre a mesa da cozinha. Nenhuma palavra, os gestos diziam tudo, a vontade posta para fora e fora de nós uma enorme chama de querer se lambuzar de tudo bem, eu permito, eu permito e permito a você querer também. A gente quis de tal forma se entregar as nossas vontades e de saudade eu deliro aqui. Toca em mim, vai, toca mais uma vez como a lâmina toca o coro cabeludo. Toca suavemente de brusco a arrancar as nossas roupas com os dentes e naquele momento fomos o pão suado servido que matou a nossa fome. Tudo tão lindo e aquecido em mim que passei a sofrer de insônia desde o dia que não mais esqueci nada! Tudo de lembrança em trago comigo e hoje, mais do que nunca, estou com saudade. Talvez pela quentura da noite. O suor vai, aos poucos, ousando, assanhar em mim os pêlos dos meus sovacos qual você gostava de fazer com a ponta da língua. Acabou a luz! Não sei se meus olhos que não se aguentam abertos ou se esqueci de pagar a conta, eu e meu esquecimento. Apagou tudo. Apenas saudade dos dias nos quais a gente sorria por segundos e permanencia alegre até cansar de ser feliz.