937 Herança de Avó

Herança de Avó

A avó materna era mulher fazendeira do século XIX.

Orgulhava-se em dizer:

“Nasci três dias antes da abolição da escravidão.”

Orgulhava-se da Princesa Isabel.

Era mesmo de um tempo que se perdeu no tempo.

Contava que a última vez que havia lavado a cabeça fora no dia de seu casamento lá pelos idos... Sei lá! Ela não contava em que ano se casara.

Mas cabeça suja não senhor!

Semanalmente ela limpava seus cabelos desenrolando aquele coque grisalho com vaselina.

Sim senhor, com vaselina!

Era a moda antiga.

Moda antiga mesmo, até no vestuário!

- Menino, uma senhora de respeito só usa roupas escuras.

Escuras e muitas, muitas vestimentas.

Por debaixo daquela que todos viam, havia outra e mais outra peça de vestiário.

Estava sempre agasalhada.

“Era para não se resfriar”, dizia.

Em seus pés sempre meias de lã durante o dia ou a noite.

Assim estou eu: só consigo dormir com meias no inverno ou no verão.

Será preparação para ser avô ou será herança da avó?

Ao adoecer e pressentindo que seu tempo era findo quis tomar banho de corpo inteiro. Indagada a razão de atitude tão inusitada por quem se resguardara durante a vida toda afirmou:

- É tempo de encontrar a Morte!

Viveu bem! Viveu por mais de nove décadas. Viu um século se findar e outro nascer.

Nardo Leo Lisbôa

Barbacena, 10/01/2001.

Caderno: Poesia Efervescente.

Nardo Leo Lisbôa
Enviado por Nardo Leo Lisbôa em 13/09/2016
Reeditado em 26/09/2016
Código do texto: T5759483
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