A Primeira Visita do Presidente Getúlio Vargas ao Hotel Catete da Paraíba

Há oitenta e três anos, um ano após ordenar o reinício das obras de açudagem em todo o Nordeste brasileiro, o Presidente da República, Getúlio Dorneles Vargas fez questão de vistoriar, in loco, o andamento dos serviços, na longínqua e nostálgica pré-primavera sertaneja de 1933.

Três anos antes, em 1930, Getúlio Vargas havia tomado o poder das oligarquias nacionais e entregue nas mãos do povo, ainda que sob a forma de uma ditadura. Era o fim da República Velha e da política café com leite, que dominaria quatro décadas de república.

Acompanhado dos seus principais escudeiros do Norte, os ministros José Américo de Almeida e Juarez Távora, Getúlio desbravou os sertões paraibanos, derrotando o forte calor, as péssimas estradas vicinais, um acidente automobilístico e um cansaço indescritível. No entanto, o presidente demonstrara forte vigor físico, no auge dos seus 51 anos de idade. Apenas uma leve dor lombar, causada pela viagem, o incomodava.

Chegando a São Gonçalo, na estrelada noite do dia 14 de setembro, a comitiva se dirigiu para o Hotel Catete, recém-construído, cuja gerência e população local a aguardava com ansiedade. Todos queriam conhecer o "pai dos pobres", o líder nacionalista que estava salvando a vida de milhões de nordestinos, em todos os confins da região.

Após cumprimentar a multidão, a gerência e funcionários do hotel, o presidente vai direto para um providencial banho. Em seguida, sai do quarto vestindo uma camisa social branca de mangas compridas e uma gravata preta com detalhes vermelhos, ou seja, as cores da bandeira paraibana. De imediato, Getúlio percebe a mudança de ares, com a chegada do aracati - cortina de vento advinda do litoral leste do Ceará que visita, diariamente, a partir das 21:00 h, o sertão da Paraíba, para deleite da população.

A partir daquele instante, o calor resolveu dar uma trégua e o Presidente, como todo gaúcho que se preze, pode, enfim, tomar o seu insubstituível chimarrão, no salão central do hotel.

Centenas de curiosos cercavam o ambiente, enquanto o presidente despachava com assessores e autoridades da IFOCS, no salão central do hotel. Naquele momento, São Gonçalo era a capital da república, o Distrito Federal, enquanto o Hotel Catete era o Palácio do Catete.

Por volta da meia-noite, Getúlio, visivelmente cansado, se recolhe para o seu apartamento, o primeiro à esquerda, onde passaria duas agradáveis e inesquecíveis noites. Naquelas noites, São Gonçalo não adormeceria, ficaria acordado, vigilante, apreciando, circunspecto, o carisma e a simplicidade daquele que se tornaria um dos maiores dirigentes da história nacional.

No dia seguinte, ao acordar, Vargas pega o seu chimarrão, preparado zelosamente na cozinha do catete, e é levado por José Américo para a lateral sul do hotel, sempre acompanhado da sua guarda pessoal.

Ao olhar para o meridional, o presidente se depara com uma visão esplendorosa: um gigantesco paredão de concreto que se ergue a poucos metros a sua frente. Boquiaberto e diante do silêncio jubiloso de José Américo, o próprio presidente percebe que se trata da magnífica barragem do açude que estava represando e perenizando o rio Piranhas. Uma extraordinária obra de engenharia que ele próprio mandara construir e agora conhecia pessoalmente. Aos poucos, com a visão privilegiada pela perspicaz localização do hotel, via chegar centenas, milhares de cassacos para o início dos trabalhos. Gente simples, que trabalhava duro, mas que naquele dia tinha uma motivação a mais: sabia que o patrão estava observando. Tinham que demonstrar que o sertanejo não foge à luta, que não teme serviço pesado.

Após o café da manhã, o presidente deixa o Catete e segue a agenda oficial programada: o acampamento de São Gonçalo, Brejo das Freiras, Pilões, Boqueirão de Piranhas e, novamente, São Gonçalo. Mais uma prazerosa noite no Hotel Catete, que a história jamais esqueceria...

Getúlio partiu na alvorada do dia 16 de setembro, deixando as soturnas dores da saudade, que somente seriam sanadas sete anos mais tarde, em mais uma primavera interiorana convidativa. Desta feita, em outubro de 1940, novamente no aconchegante ambiente do Hotel Catete.

Enquanto a Europa gemia com o diluvial derramamento de sangue durante a segunda grande guerra mundial, o sertão da Paraíba se derretia em lágrimas de regozijo com a presença do (presidente) gaúcho mais nordestino que estas bandas conheceram.

Esta seria sua primeira viagem à Paraíba, ao velho sertão acolhedor, vinte um anos anos antes de seu trágico suicídio, que mergulharia o país num infinito abismo de luto, lamento e consternação.

São Gonçalo-PB, primavera de 2016.

O autor.