A louca

Onde vais tão apressada, quase correndo pela calçada? Os pés quase nem pousam no chão e descontrolada é já a respiração.

Nem um sorriso esboçaste quando o moço da padaria te dava os bons dias com ar de apaixonado, sorrindo como menino ingénuo.

Lá ias tu como que fugindo, como que correndo atrás de algo que te fugia da vista.

Nada disseste, nem olhaste quando no meio do trânsito com voz grossa um gajo mal encarado te lançava piropos mal amanhados.

Vi-te os olhos chorosos e os labios tremendo, tentei ler-te a mente mas era segredo.

Lá foste rua fora, já tão cansada, tão desesperada sem nada dizer, sem ninguém ver, perdida nesses pensamentos só teus que te inquietavam a alma. Onde vais, de onde vens?

Porque não paras, porque não falas.

Porque vais tão apressada quase sendo atropelada, porque não paras e conversamos um pouco?

Pudesse eu ler a mente humana saberia eu quanta dor levavas cravada no peito, quanto medo perfurando as entranhas, e esse grito preso na garganta.

Vi-te as mãos esfoladas, a blusas muito amassada, confesso até me ter parecido rasgada.

Mas não tinhas tempo para vaidades, tu fugias de um malfeitor que tentara apoderar-se do teu corpo, e roubar-te a vida.

Entraste em casa em desespero, então escutei o teu grito, era profundo, cheio de dor, raiva e medo, mas eu não compreendia, eu não conseguia imaginar o sufoco em que te encontravas, o nojo que sentias.

Choraste por horas de joelhos no chão enquanto te tentavas limpar dessa imundice desavergonhada com que te deixaram o corpo e a alma.

Julgaste culpa tua, quando não tinhas culpa alguma pelos delitos alheios.

Como tu sofreste, foram dias, semanas, anos e o nojo nunca passou. E lá te ias arrastando pela vida carregando às costas uma culpa que nunca foi tua, uma sede de vingança e um desejo de sangue.

Mas ninguém sabia, nunca ninguém soube ao certo o que aconteceu naquela tarde. Nunca ninguém entendeu a tua frieza, a tua falta de afecto após esse dia.

Depois disso chamaram-te apenas louca.