Mares e Amores Desertos

Escrito com batom em meu espelho do quarto:

"SE TUDO DEU ERRADO

FAÇA UMA PRECE

NÃO ENLOUQUEÇA, VÁ COM CUIDADO;

LEVANTE A CABEÇA E RECOMECE."

Não me sinto bem carregando tralhas - coisas que nos são necessárias para uma viagem -, e enfim, resta-me apenas sair.

Passo os olhos pelo jardim, de flor em flor ao me despedir. Todas imediatamente murcham, como se eu não mais fosse voltar. Na verdade, nem eu sabia.

Sigo em passos lentos para a estação e vejo uma locomotiva enferrujada. Ficamos a nos olhar como se quisessemos dialogar, mas emudecemos. Logo, achei que ela não queria muita conversa... Mal sabia ela; nem eu.

Volta e meia voltavamos nossos olhares para os trilhos apodrecidos que afundavam-se na lama vermelha. Víamos todo o ar acinzentado lá pelas montanhas... Acho que estavamos todos assim, meio acinzentados. Eu, a locomotiva, a brisa... Sei que em mim existia um vazio. E não sei se era de fome, de sonhos desfeitos, ou de saudades de tempos felizes.

Os bancos de madeira nobre estavam vazios, e logo em frente podíamos ver algumas portas emperradas dando acesso a cantina que já não existia - mais parececia um saloon daqueles dos filmes de faroeste.

Perguntava-me com olhos distantes: Teria mesmo eu a necessidade daquela partida? Deixando a turma das artes, os meus cães e gata - que são filhos... Sim. Precisava visitar o meu templo: o mar.

Sentir as marés, o vento frio na pele, olhar o farol ... Precisava despir-me e entrar na água sentindo o acariciar das ondas com mãos macias culminando num abraço terno e reestruturador.

Precisava, sim. Banhar-me no sal e correr nua sobre as mesmas areias onde um dia ergui um castelo para um amor nascente, crescente... Porém, não sei mais onde ele está, onde anda... Não sei. Só sei que meus olhos agora, quase sempre, tem mais águas que o mar.

Corina Sátiro
Enviado por Corina Sátiro em 20/03/2017
Reeditado em 28/03/2017
Código do texto: T5947238
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