AGENDA ORDINÁRIA DE UM POETA

Às três da manhã desperta para receber em segredo a madrugada em seu leito.

Às sete senta-se para tomar café sem suspeitar que seus cabelos estão cobertos de gotas de orvalho.

Às dez sai à rua com a camisa aberta ao peito e caminha invisível sob pontes de cais arruinados, tendo os olhos úmidos.

Ao meio dia está absorto na rotina como autômato, mastigando ossos do ofício com estrondo para distrair os incautos.

Às quatro da tarde sente uma pontada nas costas no ângulo exato em que o sol atravessa a sala e o atinge em silêncio. Seu coração dispara e nesse momento fecha os olhos e inspira profundamente o ar morno que emana das paredes nuas. Ninguém parece notar.

Às oito da noite ele não passa de um muro de pedra fincado na borda da calçada. Nada o demove de permanecer, nem os gritos exaltados dos vivos, nem o silêncio comovente dos que já partiram.

Às onze ele repousa entre páginas em branco, olhos fitos na noite preta, no asfalto preto melado de chuva, nos prédios pretos salpicados de branco, na tinta preta que escorre de seu braço tatuado.

Às duas da manhã está alucinado por palavras que não sabe como acomodar no leito estreito, é um iniciante, um amador com ímpetos passionais, não custa nada e estará novamente à janela, escravo sentinela de nuvens inquietas que sopram o tempo diretamente para o abismo da solidão.

ROSE VIEIRA
Enviado por ROSE VIEIRA em 30/03/2017
Código do texto: T5956697
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