Leitura labial

Conversamos-nos de casas vizinhas.

Leio tuas palavras no tempo em que lês as minhas.

Os lábios desenham as formas que vem lá do fundo.

Transgridem as normas, confundem as regras,

somam palavras.

Traduzem-nas assim, nuas de moda, mudas de espanto.

Reluto cá do meu canto, codificar as minhas

recortando-as dos jornais.

Melhor é gritar que te amo em letras garrafais.

Seus lábios às vezes soletram em grego

palavras arredias.

Noutras somem feito lábios de criança

a brincar de esconde-esconde ao meio dia

numa estação de metrô.

Reaparecem com ares de ontem

esbanjando elegância

em versos redentores como um álibi

em que me comprazo.

Não bastassem os riscos nos lábios,

esses seus olhos acesos na madrugada

a espreitar poesia,

incendeiam-me às vezes

um desejo quase insano

de na beira do dia,

saltar de vez esse muro

que nos aparta as bocas.