O movimento das lágrimas

As ovelhas cantavam o hino da ignorância. Enquanto a música do mundo diminuía. Muitas lágrimas havia, sentimento... (outono).

Os pássaros ainda voavam, mas os homens não. Haveria caminho? Haveria sabedoria? As ovelhas cantavam e pisavam em folhas caídas. Eram elas mesmas folhas caídas. A árvore estava morrendo, e cuspia sua seiva, tossindo como um tuberculoso; ... (mas as folhas nem seiva eram; eram lixo). O homem perguntava pela sabedoria. O mundo não tinha resposta. O homem chorava. As ovelhas cantavam o hino da boa vida, da moral, da certeza, do correto, da conformidade, da apatia, da sequidão, da ignorância. Idiotas! Desgraçadas! A guerra era entre um hino sem sentido em tom de murmúrio e a música. Mas então uma ovelha levantou os olhos (elas sempre olhavam para o chão) e viu algo que arrebatou seu espírito. Começou a chorar. Ao cair, suas lágrimas produziram ruídos ensurdecedores. (pude ouvir de longe). O mundo observava, perplexo. Tudo tremia.

Eu era um grego, um nativo do mundo antigo da razão. E chorava. Perguntei por que a ovelha chorava, e ela me respondeu sorrindo. Tinha muitas facas encravadas em seu dorso, das quais só se via os cabos balançando. Engraçado mesmo. (inverno, o mais difícil é aceitar o mundo).

Ela chorava sem porquê. (ou melhor, porque não tinha um porquê. Mas nada não pode ser motivo de nada). Eu chorava porque tinha descoberto a sabedoria. O importante é que chorava. Mas não se deve chorar para sempre, ou corre-se o risco de ficar surdo como os ignorantes.

As lágrimas dela atraíram as outras ovelhas, que devoraram a ovelha, que se deixou devorar nos meus braços, esperando por ajuda. Eu peguei as facas sujas (só o que havia restado), e as guardei. Cortei outra ovelha, e a lâmina varando a carne tenra era celestial. (Agora o mundo parecia muito melhor!) Ela gemeu de dor lancinante e aguda, esqueceu o vazio, acordou do transe, viveu e sentiu prazer na liberdade. (e por um mísero mas inesquecível momento, ela viu que não passava de algo abjeto e desprezível). Novas lágrimas, novo ruído ensurdecedor, novo terremoto. (era meu jeito de fazer as coisas, todos tinham que ver uma razão). O quê as ovelhas vêem quando acordam? O mundo. Por que choram? Porque não têm razão.

Eu corri a me esconder da ovelha. Ela vagava, moribunda; a terra tremia. Morreria mais uma? Chegou finalmente até mim. (meu choro as atraía). E se lembrou de que era livre. (verão, a vida na purificação pela luta).

As carniceiras chegaram, e começaram a devorar a já mutilada criatura. (alvoroço terrível e trágico de lã e carne. A guerra novamente, o inevitável). Lutou e venceu, enfim. Eu ainda chorava. Ela perguntou por quê. Eu respondi que a amava. Mas ela viu que eu era a causa direta, eu era o que mutilava e sorria. Ela retirou as facas e as lançou contra mim. Ela chorava. Suas lágrimas não faziam mais nenhum som, como as minhas. Nós o havíamos silenciado, aquele murmúrio acabara. Queria, ainda, abraçá-la. (queria dizer que ela deveria chorar, que era bom. Queria mostrar a minha sabedoria, a bondade sem limites, aquilo que desafia o mundo, a vida, as lágrimas que não podemos conter). Então ela se foi, e as facas ficaram no meu corpo. (agora eu choro por algo que não conheço).