Liberta


Queria um momento a esmo, libertar o pensamento prá nesse momento se encontrar por aí, em algum lugar que ela não reconheça prá que enfim se reconheça despida de si mesma...

Ela era mesmo essa coisa confusa que embaraçava os cabelos sem precisar do vento, sem precisar dos dedos dele, daquele que viria “com mãos e boca incríveis tocar flauta no jardim”... quantos poemas embargaram sua voz numa boca que ainda guardava o gosto da rosa, quantas músicas a fizeram dançar sozinha entre as quatro paredes do seu mundo que de tão pequeno lhe cabia nas mãos e girava feito pião, girava e girava tanto e com tal velocidade que fez um furo na sua ilusão. Por ele viu a lua atrevida a tomar o espaço, na intenção de ser pérola fez da sua mão uma concha, e de tão encantada a fechou no ato e passou a andar com cuidado, desviando das pedras, olhando prá baixo acabou perdendo o caminho, sem prestar atenção no vôo dos passarinhos se esqueceu dos ninhos e das suas ofertas. Foi quando ereta tomou uma reta e começou a correr feito louca pelas noites sedentas em sentir o gosto do amanhecer. Coberta de bruma e aurora aprendeu a chorar com a chuva do entardecer, a ouvir por dentro o banzo que toca o crepúsculo, que faz da cigarra a coisa mais rara e triste de se compreender. Aprendeu a cantar com elas, a se despir também. Enquanto despia seus véus ela cantava e se desprendia, ela aprendia a se libertar, e é libertando o pensamento que ela se vê inteira atravessando a fronteira do que jamais pensou alcançar.

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com mãos e boca incríveis tocar flauta no jardim”... Adélia prado