Vivendo num manicômio

Eu não precisava daquele velho hábito de me ater às coisas. Era estranho pensar em quão estranho isso soaria. Haviam todas aquelas vidas nascendo e morrendo ao meu redor e as pessoas iam, e quando voltavam eram outras. Era penoso estar em minha mente (meus pensamentos, meus sonhos, minha inteligência, ou a falta dela), naqueles dias ensolarados. Debruçado sobre o parapeito da janela, eu pescava o invisível com os olhos e via muitos corpos andando na calçada trajados de algum heterônimo despido de alma. Que falta fazia Caeiro para tocar esse rebanho!

Toda essa esquizofrenia crônica me fazia ficar solítário, porque todas minhas personalidades insistiam em ser iguais a primeira, se por orgulho, preguiça ou (in)-segurança eu não sei. Meu caso era o pior de todos os pacientes. Uma mistura de anorexia e compulsão alimentar, depressão e euforia, letargia e hiper-atividade, uma simbíose sem fim. Mas o mais crítico de minha moléstia era minha incapacidade de criar uma personalidade diferente que pudesse ser utilizada quando a velha estivesse demasiado exausta, logo estaria em coma e respirando com a ajuda de aparelhos. Esse manicômio redondo, sem patente me sufocava.

Eu tinha uma fome voraz de devorar tudo que me atráia. Livros, comidas, pessoas, músicas, doenças, solidão, drogas, desastres, paz, inícios e fins. Meu nariz há muito desistira de suas faculdades e continuava como um andarilho à procura de outra atividade mais interessante. Meus olhos viam pouco mais que sombras embassadas, nada nítido, tudo fosco, velho e vivo. Minhas mãos tocavam o vazio que havia naqueles dias.

O vento fraco e quente daquela manhã me trazia um sorriso sem alegria, pequeno e calado.

Elton Veloso da Silva
Enviado por Elton Veloso da Silva em 08/08/2017
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