Eu não contei o tempo hoje

São as memórias e a resignação, é o que resta.

[...]

Já faz algum tempo, ou foi ontem, eu não sei.

Em algum momento qualquer, eu perguntei ao tempo. Perguntei qual era o grande segredo dele.

Foi aí que o tempo respondeu que não pode me contar.

O tempo não conta.

Eu conto o tempo.

Penso que o tempo tem sua própria poesia.

O tempo se esvai. Ele se esvai devagar, quando percebido.

Desejará o tempo ser mesmo percebido, ou desejará o tempo, livre, voar enquanto esquecido?

Eu não contei o tempo hoje.

Eu contei, na verdade, as dores lembradas, as alegrias dilaceradas.

Eu contei, na verdade, lembranças, lugares. Eu contei quantas vezes a minha alma ficou leve ou pesada.

E eu parecia ter vivido tanto, e, de repente, ter vivido pouco.

Parecer...o que parece e o que é de verdade?

O tempo esvai aparências.

Ele faz tudo voltar ao lugar de origem.

Eu pedi que ele parasse um pouquinho, que ele me desse um pouco de si mesmo, pra eu pensar.

Mas o tempo não disse nada. Foi obscuro, frio, indiferente.

Passou por mim, e fingiu que não viu.

E eu ali, inerte.

O tempo não parou pra mim. Então, eu parei no tempo.

Fiquei ali, parada, observando.

Tentando entender não sei o quê.

Fingindo não saber que, na verdade, não tem nada.

Nada antes do tempo.

Nada no meio do tempo.

Nada depois do tempo.

Enfim, o que conta é o tempo correndo no infinito.

Frio, indiferente.

Ultrapassando, revelando.

Perguntei se ele curava mesmo. Ele disse que cura sim, mas que também fere quando é perdido.

Eu passei pelo tempo ou o tempo passou por mim?

Eu só percebi o desencontro. O restante, eu não entendi nada.

Pensei no tempo que eu já tive, no tempo que eu perdi, no tempo que eu ainda tenho, e no tempo que eu ainda vou perder.

Quando o tempo me viu pensando em tudo isso, ele pensou que, na verdade, eu penso demais.

E que talvez fosse bom, observar enquanto ele corre, sem pensar em nada.

Então, ele me disse baixinho com certa compaixão:

Que ele fica o suficiente, pra qualquer um tentar perceber que são as memórias e a resignação, é o que resta depois que ele passa.

Thaís Carmo
Enviado por Thaís Carmo em 25/08/2017
Reeditado em 11/02/2019
Código do texto: T6094261
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