Foram belos dias

FORAM BELOS DIAS

Magda Loguercio Carvalho

Nasci no dia 19 de março de 1961, às 1:30 horas. Signo peixes, ascendente capricórnio, lua em touro e vênus em áries. Um certo dia encontrei o livro Anjos Cabalísticos, não lembro a autora e para minha surpresa, descobri que este é um dos dias especiais do ano. Os nascidos neste dia seriam gênios da humanidade, regendo o elemento éter e protegidos pela deusa Ísis. Será que sou tudo isso? Eu que sempre quis ter nascido no dia 18 de março, porque era o nascimento de minha avó Marieta...

Primogênita de pais e avós paternos, sei que meu parto foi difícil. Uma enfermeira subiu na barriga de minha mãe para que eu escapulisse e desse o primeiro suspiro e chorasse. Todo primeiro filho carrega uma expectativa muito grande, o mundo seria meu, eu seria perfeita e tudo sempre daria certo para mim.

Meus pais ainda moravam no Sobrado, com meus avós, gosto de pensar que fui cuidada a quatro mãos nos meus primeiros meses. Reinei soberana por apenas dois meses, minha mãe ficou grávida de meu segundo irmão, voltou a trabalhar e então eu fui cuidada pela Duca, minha babá, e por minha avó. Eu sentia falta da minha mãe já tão cedo.

A presença de minha avó nesta época foi marcante. Ela me colocava, no sol, numa banheira redonda que ficava sob o jacarandá do pátio, sobre acolchoados coloridos em azul, amarelo e laranja. Eu ficava ali, sentindo o cheiro das flores do quintal, olhando os passarinhos e esperando a hora de encontrar a minha mãe e voltar para casa. Nesta época , já morávamos no Edifício.

Quando meu irmão nasceu, eu passei a ficar todas as tarde com minha avó. Meu avô vinha na camionete amarela para me buscar. Eu não lembro de ter ciúmes do meu irmão, mas ficava com raiva quando a tenção era para ele e ele era um chorão, toda hora precisava ser atendido.

Eu era morena de olhos escuros, ele era loiro de olhos azuis, nem parecíamos irmãos. Bem, para piorar , quando fiz dois anos nasceu meu segundo irmão. Outro loiro de olhos claros. Definitivamente, eu me senti muito sozinha e diferente, me apegava cada vez mais a minha avó.

No apartamento, dormíamos em quartos conjugados, nós três ao lado do quarto de meus pais.

Eu chorava todas as noites e tenho uma lembrança fugidia de uma noite específica, que me acompanha sempre. Minha mãe havia colocado minha cama ao lado dela, mas eu chorei tanto e fui colocada entre ela e meu pai. Ele, sem querer, me machucou e eu fiquei bem quietinha porque fiquei assustada. Eu tinha dois anos, lembro do bolo de aniversário, enfeitado com rosinhas de confeito e lembro de uma prima que estava lá.

Daqui para frente, praticamente, desaparece a figura de minha mãe e eu só tenho recordações com minha avó. Eu queria ser filha dela e não daquela que nunca tinha tempo para mim. Eu não gostava dos meus irmãos, eles eram dois e sempre tentavam me maltratar.

Dos três aos quatro anos, quando fui morar no Boqueirão, estão todas as minhas recordações afetivas são com minha avó. Lembro de estar no seu colo, de procurar fios escuros nas suas cãs, de suas mãos desembaraçando os meus cabelos, no meu pescoço, de dormir ao lado dela de mãos dadas. Lembro dela me levar ao banheiro nas noites escuras de Lavras do Sul, de remexer suas gavetas, e de fazer perguntas e mais perguntas, que ela sempre respondia com carinho. Lembro do seu cheiro de alfazema.

Minha avó gostava de vermelho e então eu tinha vários vestidos e blusas vermelhas e ficávamos sentadas à janela esperando o ônibus que vinha de Porto Alegre e passava em frente ao Sobrado. Sempre alguém abanava para nós.

Ela tinha um temperamento forte, às vezes ficava braba e brigava com meu avô, principalmente pela política, por que ela era ARENA e ele MDB. Tenho boas lembranças dele também, ouvíamos a rádio guaíba todas as tardes. Música clássica enquanto ele lia os jornais na sua cadeira de balanço. Ele abandonara a Medicina há muitos anos, dedicou-se a cultivar flores e árvores. (continua)

Magda L Carvalho
Enviado por Magda L Carvalho em 19/10/2017
Código do texto: T6147266
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