A bezerra Roda-Roda

Roda Roda

Era uma bezerra de cor vermelha avelã

Filha de uma vaca pantaneira murtinhense,

de chifres negros esverdeados , pontudos,

e tinha a, cor de cupinzeiro molhado, tacuru,

com buçal de pêlos brancos ao redor das narinas brilhosas,

tambeira manssarona de seis litros sem espuma

guardando uma teta para a bezerra .

Por demais amorosa quando de cria nova,

investia a guampaços contra cavaleiro,

guris e jaguáras , por seu amor extremado.

Vicente, o capataz, quando foi curar o umbigo da terneira,

cria do touro Candieiro , filho do taquati Lamparina ,

vindo da fazenda Santa Helena , do Mario Marcio Corrêa,

Antiga descendência de "helfos" , trazida do chaco paraguaio.

Ao investir contra o ginete que montava o pantaneiro baio Pagode

O peão defendia o vazio da sua montada dos chifres de cravador,

batendo com o do cabo do arreador na cara, nas orelhas,

na tábua do pescoço da vaca furibunda.

Cigana , bovina zelosa , acabou pisoteando a cria

Quebrando a perna da recém nascida, na altura do quarto.

A bezerrinha milagrosamente salvou-se da quebradura,

ficando sequelada, sem apoio do quarto traseiro,

andava em volteios , bamboleando em círculos,

sendo alcunhada de Roda – Roda alcunhada.

Roda- Roda cresceu nos potreiros da sede

em meio ao gado manso de leite.

Sempre volteando, rodopeando firme nos cascos,

aprendeu até a trotar em círculos a treteira,

Sempre cuidada por sua zelosa mãe , a Cigana,

Uma vaca tucura amorosa e ciumenta das crias,

que só arredava o casco de perto da cria pra beber água.

Eis que iniciaram as reformas na Casa Amarela da cidade

Papai contratou gente de fora, de Campo Grande

e os pedreiros vindos da capital

eram insaciáveis no “de comer”,

Tirar jejum , almoço reforçado, merenda da tarde e janta.

Logo fizeram baixar os estoque das carnes do freezer

pucheirama, espinhaços de carneiros e cabritos, frangos chegando a galo, miúdos , úberes , pucheiro do pescoço, rins, mocotó

e as línguas, estas ultimas exclusividades de meu pai,

voaram da conservadora para as panelas e frigideiras .

Então, num feriado de Santo Antônio veio a noticia

trazida com urgência preocupada pela Beca e repassada por minha mãe:

_“ Acabou a carne !!!”

Era um meio de semana, quinta-feira, início de feriado prolongado.

Meu pai pintava com genipapo um couro de cabrito no galpão.

Abaixou os óculos na altura do nariz, mexeu sua cabeça taurina e resmungou : Opá nhande vaca soô !!! Vamos carnear !!

E assim meu pai selou a sina da bezerra contorcionista de cascos fulvos, com pintinhas brancas sobre os olhos e orelhas arredondados de anta.

Eu não quis ver, mas o Mekaron encarrapichado no cavalo tobiano, pantaneiro de um olho azul e de nome Sereno, assistiu tudo.

Viu o Vicente apear da sua montada pampa, o Sertanejo

Dirigir-se até a forquilha de aroeira fincada no pátio

Enquanto Karaí Alceu chinchava Roda Roda no cavalo Maiame,

Ele fez desaparecer a longa e larga faca palmeira

No bovino e ibérico sangradouro de Roda-Roda.

Minha mãe encostou sua camioneta preta

E colocamos nela seu corpo sem vida

Indo até o carneadouro da fazenda

Onde foi escornada sobre a laje e lavada

Cortada as patas, riscado o couro,

Iniciou-se a retirada do couro.

E logo o sangradouro de vitela fervia na panela de ferro

Enquanto do outro lado da reta a vaca Cigana

Berrava em lamento cheirando e escavando

O lugar onde Roda-Roda fora imolada.

Raoni Mbaretê E. Ruiz

Guia Lopes da Laguna, 29 de junho de 2013

Glossário

Helfos = nome dado pelos campeiros aos bovinos vindos do Paraguai, animais de pelagem vermelho macau ( “mala cara”, da cara branca) de descendência da raça Redford.

Buçal = parte do arreamento do cavalo que se prende à sua cabeça e ao pescoço , marca de pelos cor diferente a dominante ao redor do focinho de bovinos.