Minha cidade na fonteira
Minha Cidade
Minha cidade, as margens do Rio Miranda
Aninha-se aos pés da Serra de Maracajú
Nos contrafortes da Serra da Bodoquena
Com suas ruas largas e avenidas muitas
Crianças descalças a soltar pandorgas
Quebrar castanhas de bocajás
Carnear sapos cururus com laminas de barbear
E espetá-los em pés de limão rosa,
brincando de carniceria
Abrir latas de óleo “ Mazzola “
E fazer patrolas como as da CER-3
Minha Cidade, eu guri
Acordando com o apito da CER-3
Vestindo o uniforme militarizado
Para as aulas no Educandário Cel. Felício
Correndo nas enxurradas da Avenida Mato Grosso
Jogando bolita e torito com o amigo Xonho
Levantando fazendas com sede de barro
Cercada com talos de mandioca
Repleta de bois de manga verde
Criando bonecos de sabugo de milho
Armando arapucas para pegar pombas
Inquilinas indesejadas do Armazém da CER-3
Embuçalando perros amarilhos
domando perus de papos escarlates
Eu, Tadeu, Miro, Adriano e Apolinário
Capando caramujo com linha
Nos regos d’água morna
Correndo carreiras em petiços
Nas inverndas repletas de araçás
Da antiga Fazenda Figueira
Dos saudosos tios Olmiro e Célia
Minha cidade, eu adolescente
Namorando de pala nas noites frias
A espantar vacas leiteiras sonolentas
Deitadas nas ruas escuras,
Na lua nova, na Vila Angélica I,
Antigo rodeio do Sr. Osvaldo Fernandes Monteiro.
A espreitar nas esquinas e nos portões
Meninas afoitas de longas melenas
No sacro mister de varrer o terreiro
Para roubar–lhes um beijo rakú.
Em serenatas com polca animadas
Por harpas paraguaias e violões,
bailes com fita cassete, na Ponte Velha
Namoros proibidos na Ponte do Cachoeirinha
E sob as sombras do enorme Jatobá
Na reta de Porto Murtinho.
Minha cidade, eu estudante
Vindo de Campinas para passar férias
Com banhos lunáticos nas praias do Rio Miranda
E cristalinos mergulhos no gélido Rio Prata
Tereré com limonada tomado na valeta
Tereré com coca-cola no Clube Esporte Clube Jardim
Tereré com leite doce na casa das tias
Erva mate com açúcar e brasa viva
Chá de erva na fazenda, cocido
Lembranças do Paraguai
Saudades das férias no Boqueirão.
Minha cidade, eu adulto
Em chipelo de boi tucura deitado
Ecologicamente ouvindo o canto dos sabiás
E as araras vermelhas comendo castanhas
Da nossa árvore sete-copas, na rua Dr. Ary Coelho 171.
Descidas com as ONGs no Rio Miranda
Em coletas de lixos anuais
E a tarde caindo mansa sobre a Vila Brasil
A nos pegar com a chaleira de mate aos pés
Jateí-caá, poléu e marcela como jujo
No entardecer embalado pelas estórias
De Pombeiros, Pé de Garrafa, Jasy Jatere e Pai do Mato
Contado para os grandes e pequenos
Minha cidade, eu livre
Poeta, contador de estórias, sonhador
Locutor dominical do programa “ Cruzando a Fronteira “
Com a voz chegando as terras dos guaicurus
Naitaca, Nabileque, Chogo, Nalique, no Pantanal
Pelas ondas hertzianas da Rádio Laguna
Com o lugar já comprado no cemitério da Cachoeirinha
Cabeças de vacas e cavalos pendurados em frente a casa
Pinturas abstratas kadiwéu em couros de cabritos
Pombos coloridos e jabutis de cria no quintal
Companheira, cria macho ( Raoni ) e cachorros
Cães, perros, jaguaras, vira-latas e uma F-1000 preta
Minha cidade... Jardim,
Eu... Karaí Mbaretê
05 de Junho de 2000