Assustada
Em qual palavra poderei me encontrar? Onde a seta, a placa, a direção, a flecha? Há arruaças na rua da poesia e o mais triste é que ela está morrendo.
Ainda carrego comigo todos os cantos e a força que tinha. Mas há esse sonhar que se desperdiça inutilmente. Como pode ter morrido sem nunca ter sido? Existem circunstâncias conspirando contra os sonhos e não encontro a palavra a me localizar. Vou perdê-la.
Tornaram-se grávidas todas as tormentas e há um nascedouro indesejado, não programado. Chovo eu. Agora.
Faltou o ato, o que tornaria um anônimo em herói e a palavra, desmestificada de glória, haveria de fornecer a capa e os poderes. Meu castigo é esse arrependimento, esse quase remorso de ter deixado passar o instante. Esse desligar dos sentidos faz com que os passos caminhem perdidos e o canto, súbito, torna-se elegia.
Há arruaças na rua da poesia e resta um amargor pela calçada. O redemoinho mudou toda a estrutura da letra. Qual a palavra, meu Deus? Agora manco. Meu pé está ferido por um único e encravado espinho. Temo a incontinência dos meus olhos e cego o pensamento para não ver a beleza do desespero. Palavra perdulária. Encontro outras como consumo, contrafeito, inevitável, mas a rima delas é horrível como uma borboleta negra entrando por uma janela esquecida de ter sido fechada.
Queria ver cortinas claras, esvoaçantes e um pouco de sol. Mas viro estátua de sal se olhar para trás. Deve estar mais à frente, tudo deve estar mais à frente. Em uma casa mal-assombrada onde haverão de estar outras borboletas negras e uma tristeza cinzenta.
Há arruaças na rua da poesia e canto para fingir que não estou sozinha.
[Tempos de outra Ópera. Resquícios. Sobras.]
http://versosprofanos.blogspot.com/