Poesia do cachorro de rua

Acordo em um dia de verão

O sol logo cedo se impõe

Sinto, como se todas as ruas fossem minhas

Sinto fome, vasculho algum prato em meio ao lixo

Uma humana tola .. olha com raiva pra mim

Ela pensa que eu faço de propósito

Ou melhor, ela não pensa

Que coceira!! Ela sente ódio.. e me expulsa dali

E eu saio com o rabo entre as pernas

O estômago continua reclamando

Eu preciso comer e continuo andando

No açougue eu sempre encontro alguma coisa

Ainda não sinto o seu cheiro

Decido ficar deitado vendo a vida passar

Vejo pés humanos ... indo e vindo,

Bicicletas, carros, vozes, cochichos,

Vejo o mundo deles e sinto, como se não fizesse parte disso

De repente um susto!!

Um barulho estridente

Vejo um corpo no chão

Gritos

Confusão

Uma multidão ardente

Cheiro e parece de sangue

Eu olho .. para os seus olhos vermelhos, exaltados, as veias saltando

Eu sinto pena, o meu rabo abaixa

Pra mim, eles estão olhando

Mas eu não sinto o seu pranto, aliás eu não sei o que é isso

Se ele fosse o meu dono..

Os humanos se aglomeram

Eu me afasto

Não tenho nada a ver com o seu martírio

Eu tenho mais o que fazer

Eu tenho fome e sede

Está muito quente

O sol é um claro verde a tudo dominar

Um desafeto passa do outro lado da rua

Rosno internamente .. e ele desaparece na primeira esquina

Um humano jovem olha pra mim de maneira doce

Eu retribuo e ele se vai, junto à multidão,

Esperei que ele fosse me pegar, que ele fosse

Me levar pra casa

Ou me dar algo para comer

Alguns cachorros de coleira

Não sei se gostaria de viver assim

Será que o pescoço dói??

Será que eles são felizes??

O dia passou rápido, foi num deslize

Acordei, e o céu já está estrelado

Ando pelo vazio das ruas escuras

Os cheiros de outros cachorros e de comida me guiam

Eu uivo pra Lua

Encontro um local pra deitar

Durmo novamente

Nossa, como eu dormi!!

Acordei e já não era tão jovem

O pelo não era tão brilhoso

O vigor já não era mais aquele

Agora eu ando mais devagar

Ainda esperançoso

Não sei bem o porquê

Uma criança olha pra mim e sorri

Ela quer brincar

Mas a mãe puxa a sua mão pequena, e seguem pra outra direção

Volto a andar de onde parei

Durmo a tarde toda

Acordo em mais uma noite

E em mais uma noite eu volto a dormir

Desta vez eu acordei de novo, quando o sol escureceu

Eu tento me levantar mas não consigo me erguer

Eu penso em respirar.. mas um suspiro que eu respiro

Já não tenho fôlego

O chão parece mais quente

Mais aconchegante

Eu tenho fome, eu sempre tenho

Ao longe, lembro de alguns momentos, que pra mim foram marcantes

Uma luz forte se lança em minha direção

Parece um carro que vira a esquina

Mas eu não sei o que poderia

A luz se vai e eu fecho os meus olhos com ela

Não sinto mais o cheiro

Mas o chão continua gostoso

Se tornou o meu dormitório

Onde eu descanso o meu corpo

Não sei mais o que é o tempo

Não...

Sei...

O que...

Pensei que havia morrido

Mas foi apenas um clarão

Acordo finalmente em uma manhã

Agora a minha visão cheira mais do que enxerga

E continuo com a minha peregrinação

Como um pária que eu nem sei o que é

Eu só estou usando o cérebro deste poetinha.. meia tigela

Tigela?? Será que tem alguma carne??

A minha vida é fome

Acho que toda vida é assim