Retrato

Retrato






A maré sobe e a gente nem percebe. E fica tudo um tanto vago, feito conversa distante da qual raras sílabas se distingem em qualquer atmosfera, seja em lua cheia, poentes nublados ou auroras cor de rosa. A imanência dessas situações delineia traços ainda por definir. Tudo a seu tempo, afinal inexiste consciência não expressa. Por gostar tanto de você, sou honesto como uma barra de sabão e não altero nem uma sarda nesse seu rosto sadio de felicidade pronta com tempestades intermitentes. Desde não sei quando sonhei vivermos dias parecidos com um oito preguiçoso capaz de revelar vez ou outra uma Vesica Piscis nos veios de algumas folhas caídas ao relento. Sinais para acordar os esquecidos. Alvíssaras, exclamariam eles, junto com os insetos amalucados e inócuos, os pássaros livres e coloridos e os poucos bichos que se esgueiram nos espaços baldios desta cidade entulhada - dirão em coro que se encerre o adiamento infinito dos nossos olhares pois agora, sem sombra de dúvida, irão se encontrar mais. Tu pareces algo que flutua e desde já assevero: de ti, só tiro o fôlego. E mesmo vivendo desatento como um beija flor aprendi que meus pensamentos são um espirro para o seu luminar, pois assim como a Terra sente o perigeu, sinto que cada instante contigo ou bem será o último dotado de um retumbante adeus ou o primeiro de uma sequência de instantâneos que juntos dirão apenas que a junção de nosso abraço, de tão atado, não caberia num único retrato.


(Imagem: Olho de Lápis-lazúli de estátua da Mesopotâmia, 2500 A.C.)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 05/03/2018
Reeditado em 01/06/2020
Código do texto: T6271438
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