FAÇA UM BOLO PARA MIM

Estou contando as idades que colhi,

As idades que fiz, as que tenho e as que terei

Calculo cada passo que dei para chegar a cada idade

Sinto um começo novo a cada ida de cada idade minha

Sinto um vento novo a cada vento que venta meus ventos novos

Eu afinal sou uma criança!

Uma criança velha,

Uma criança nova,

Uma das mais novas pessoas velhas do mundo!

Reúno cada idade minha

Para saber quantos de mim somos eu

Sou muito dos humanos que vivem suas vidas

E vidas alheias

Vivemos um pouco, e devagar

Pois quando formos morrer, só será uma vez

Tão rápido como a luz.

Faça um bolo para mim, mãe!

Hoje vou nascer aqui, e aqui comerei

E aqui beberei

Pois aqui tenho minha mãe, a confeiteira dos bolos meus, e pães

Não sei onde hei de nascer amanhã, se nascerei mesmo

E se serei mesmo uma criança, ou a mesma criança de sempre

Faça-me saber como se faz o bolo que como agora, porque sabe tão!

Ensina-me os bolos,

O café,

Aquele vinho, mãe.

Ensina-me até a água, mãe, como devo bebe-la

Não sei ao certo como serei da próxima vez que nascer

Se poderei comer,

Se poderei beber,

Mas sei que poderei nascer,

Pois isso não se aprende, se ensina!

***********************************

Meus grisalhos cabelos

Envenenam minhas afeições com rostos novos a cada esquina que faço

Os passos estão menos longos e mais lógicos,

Ando mais destemido e menos vaidoso

Ando para não ter vaidade,

Ando uma rapidez tão ávida como meu vagaroso ser,

E neste meu vagar, viu-me vagueando a morena lá do bairro

E gritou de fininho um assobio baixinho

Chamando-me para ela,

E fui para lá, e fui para ela,

Morena que ela era, tão bela que só ela….

-Empresto-te meu amor, devolva-me quando puderes

Dizia ela ela para mim.

Ela se chamava Ana

Um dia nossos amores cresceram,

E fizeram-se maduros,

E com eles fizemos amores,

Eu e aquela morena

Aquela morena e eu

Faça um bolo para mim, mulher!

Ontem quando fui para o ofício,

Comeram minha fome sem poder mata-la,

Comeram meu desejo de ser grande, minha vontade de voltar

Comeram tudo, e comeram sozinhos, sem deixar nada

Disseram que um kakinhento chega para o nosso jantar, me deram de subsídio,

Mas de qual natal, se Dandara ainda não nasceu?

De quais férias se eu nunca fui a nenhum lugar senão no trabalho?

Faça mesmo assim, mulher

Dizem que onde comem cinco, cinco mais podem beber

O estendal era mais caduco que os cabelos de Ana

Mas dava para deixar a bamba seus pensamentos resmungar

Não se sabia ao certo o que ela resmungava

Se dos seus lençóis que clamavam por novos

Se dos seu pés inchados de uma gestação

Ou ainda do fim do mês que se recusava a chegar cedo

E lá se foram nove vezes

Sete dias vezes quatro

E Dandara nasceu

****************

Calcorreou sua inocência, quando aos cinco cresceu

Chorou suas alegrias quando quinze se deu por moça

Reviveu nossas histórias, e contou as suas

A passos dela e abraços nossos, meus e de Ana, e nossos

Dandara virou mulher

Mas sempre filha

Hoje me vejo balançando meu velho ser

Sobre uma cadeira velha, olhando para o lado

Com um olhar tão perto quanto distante

Um olhar que diz tudo falando apenas nada

Estava olhando para aquela antiga morena lá do bairro,

Estava olhando para Ana

Memórias me formigavam a alma,

Quando ouvi minha própria voz

Cansada e velha enrugada e seca tentando gritar assim;

-Faça um bolo para mim, Dandara!

overdoSe O welwianO

Luanda 07h03pm ter 29/08/2017

Lord Salvador O Welwiano
Enviado por Lord Salvador O Welwiano em 13/03/2018
Reeditado em 29/03/2018
Código do texto: T6278617
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.