A PORTA

Ele chegou, devagarinho, sem fazer ruídos. Parecia um assaltante entrando assim, de esguelha, quase pisando nas pontas dos pés. Carregava uma sacola de supermercado com poucos livros. Rodeou as mesas do bar, quereria vendê-los quem sabe ou, talvez, encontrar algum amigo para conversar, beber desfrutando alguns momentos de prazer. No canto do salão, um palco improvisado onde ao piano o Laurindo Pinto tocava e cantava emocionado "Nervos de Aço". Ele continuou a andar, meio envergonhado, livros de poemas nas mãos. Alguns clientes olhavam para ele, outros, nem percebiam os seus cabelos brancos, o olhar triste e cansado. Queria vender livros. Afinal, também era poeta e amigo do coração de outros tais. Tinha o seu valor. Não estava sendo maçante nem importuno... Queria vender poesia, coisa que todo mundo devia gostar e comprar. Não perturbou ninguém. Eu o observava e de longe pude ver. Mas foi obrigado a ir embora por dois seguranças que o levaram até aquela porta que antes temeu entrar. Saiu cabisbaixo do Snack bar. Cabeça baixa, triste, como penso devem ser as de muitos poetas, pois se não fossem tristes não fariam poesias, atravessou a porta e perdeu-se no lusco-fusco da madrugada.

regynacarvalho
Enviado por regynacarvalho em 18/03/2018
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