CAMPOS DE LAVANDA

Quando ali adentrei, pela primeira vez, eu ainda não sabia de nada.

Empurrei a porta , lhe pedi licença, mas não ouvi resposta alguma.

Sentado a beira da janela semi-aberta, que mais parecia a moldura desgastada dum tempo bem longínquo, ele desviou o olhar perdido lá fora para apenas me lançar dois olhos inexpressivos, nos quais fiquei procurando sinais que me norteassem sua história.

Tinha uma palidez semiológica, aquela que tinge todos os cansaços.

As mãos trêmulas descansavam sobre os joelhos despidos de pele e seu fôlego tentava dar conta de o manter vivo.

Seus ossos pareciam heróis de guerra.

Perguntei qual era o seu nome mas ele se limitou a me fixar na sua mudez insondável, como se me transfixasse seu tempo a me ensinar tudo sobre si. Parecia zombar de mim.

Então, apenas tornou seus olhos para a janela como se procurasse insistentemente por algo ou por alguém.

Por um alívio, quem sabe...porque o milagre já estava cumprido.

Ao lado da cama, no seu criado bem menos mudo que a vida, uma infinita farmacopéia de ponta- muito onerosa e de propósitos inalcançáveis -me falava da sua saúde, mas foi sua cuidadora quem me contou o tudo essenciamente humano sobre ele.

Fora alguém de notoriedade relevante, e por alguns instantes, tive a impressão de fazer parte daquela história, embora eu ainda não soubesse de nada.

De repente, ao soar duma campainha, tudo ali passou a ser feito em escala de produção, como se fosse um ensaio, já no seu epílogo, de como caminha a vida cá de fora, sem que saibamos de nada.

Os corredores se agitaram.

Na porta do quarto nos foi anunciado que era hora do banho.

Vencida sua rigidez pétrea, foi evado a pulso ao chuveiro, ato contínuo, um doce perfume de lavanda inundou o ambiente como se alguém houvesse acionado as portas do céu.

Por um instante me deliciei de estar ali, como se a respirar os ares relaxantes de vida exalada e devolvida pelos campos de Provence.

A cuidadora, ao me perceber supreendida pelas notas do perfume refrescante, então me ensinou:

“No final é tudo absolutamente igual. A única coisa que pode ser diferente é a marca do sabonete”.

Mesmo na fração do último segundo, nunca sabemos de nada.

Apenas nos fica a sensação de que a vida é tão volátil quanto uma boa e rara fragância dissipada no ar.

O nosso grande feito é se tentar, ao menos, ser um melhor perfumista

Nota: texto inspirado e dedicado aos personagens reais.