O Outro

Quem você é capaz de amar? Até quando e até quanto vai a sua capacidade de doar amor? Existe um “si ne qua non” para o seu amor?

Se encontrarmos respostas para as perguntas acima, não creio que sintamos amor por alguém. Pois, não acredito que o amor tenha modelos ou condições para ser sentido, apesar de sempre atribuirmos alguma razão para amar ou odiar algo.

Os sentimentos partem de nós. O outro não é responsável pelo que sentimos por ele. O sentimento é nosso. O outro existe apenas como objeto de transferência daquilo que sentimos. Pura projeção, nada mais do que isso.

Quando lemos um livro e gostamos muito, a postura imediata é: “esse autor é muito bom”.

Será realmente o autor muito bom, ou simplesmente, ele escreve aquilo que queremos, gostamos e estamos preparados para ler?

Na verdade, o que queremos dizer, é que nós, somos muito bons, pois os aplausos e elogios são para alguém que escreveu algo que vem ao encontro do que pensamos e achamos ser certo.

E se fosse ao contrário? Se não gostássemos do que lêssemos? Continuaria o autor a ser muito bom apesar de escrever o que não achamos certo? Será que teríamos a humildade de reconhecer que apesar de alguém não pensar como nós, ou não dizer aquilo que queremos, ainda assim ele é bom no que faz?

Sinceramente, não sei se alguém poderá responder que sim, pois a nossa capacidade de amar é muito limitada e repleta de padrões e regras para a existência do mesmo. Penso, que talvez isso ocorra porque sempre estamos respondendo às perguntas de uma razão classificadora, discriminatória e julgadora, em vez de respondermos às perguntas de nosso coração. Não deveria ser “o que devo fazer?”, mas sim, “o que quero fazer?”.

Já consigo ver os olhos arregalados e julgadores daqueles que se intitulam realistas, os chamados “pés no chão”, classificando estas minhas palavras como de alguém sonhadora. Mas não me importo mais com isso. Aos 49 anos, me acostumei a ser classificada assim por meus familiares, e nada me fez mudar, não porque eu deveria, mas porque eu não quis, não quero e tenho consciência da minha função no meio deles e da deles em relação a mim.

Ser sonhadora ou realista não outorga a ninguém a condição de melhor ou pior ser humano. Somos iguais enquanto seres humanos, mas totalmente diferenciados enquanto personalidades, e graças a Deus por isso. Porque são essas diferenças que nos fazem crescer, nos enriquece e nos complementa como seres humanos que somos. O outro, sempre terá algo que não temos e que precisamos assimilar, absorver, para um dia, quem sabe, chegarmos à igualdade, a universalidade dos seres.

Talvez aí, esteja encerrada a grande chave para o entendimento da dor, do sofrimento. Aceitá-la, não por resignação, ou porque assim Deus quer ou quis. Mas, pelo entendimento de que as pedras no caminho existem para enriquecimento, crescimento, ampliação de conhecimentos, de vivências, de experiências. Elas existem não para serem afastadas, eliminadas ou contornadas, mas para serem assimiladas por nosso ser. E acredito que só depois de preencher todo o nosso ser com todas as experiências das diferenças do outro, é que chegaremos à totalidade do UM. Ninguém cresce sozinho! Ninguém encontra DEUS, afastando-se do HOMEM.

A minha questão é se somos capazes de amar ao outro mesmo ele não sendo do jeito que queremos? E por que deveria ser? Por acaso temos um modelo correto e único, o qual o mundo deveria se curvar e seguir? Será que apesar do outro não ser do jeito que “pensamos”, não seria ele, um outro ser também digno do nosso amor, apesar das diferenças? Que amor é esse que só consegue ser doado se for do meu jeito? Que amor é esse que só consegue amar aquilo que se enquadra dentro das minhas regras e meus padrões?

O amor está acima do bem e do mal, do certo e do errado, do belo e do feio, ele está acima de qualquer polaridade, pois acredito em Deus como o Amor, não podemos ver, definir ou tocar, apenas sentir através do outro, embora, este não seja responsável pelo nosso amor.

Tania Lacerda