Eu daria

Eu daria tudo o que tenho pela simples lembrança de algo completo. Daria essa hoje aparente e analgésica calma, o teto frágil que me cobre os olhos. Daria todo o conhecimento adquirido em matérias fúteis, daria até mesmo esse sonho de liberdade, uns livros e a poupança. Eu daria ainda muito mais por uma parcela de certeza de ter tido, mesmo que em algum remoto passado, um ciclo inteiro de lembranças. Dessas coisas que as pessoas vivem, com início, meio e fim. Ainda que o fim, sendo trágido, me dilacerasse a alma por alguns meses, a ponto de me transformar num ser marcado para sempre. E que essa marca se cristalizasse nos olhos, para que nunca esquecesse da importante revelação do que realmente importa. Como a saudade inteiramente perturbadora de alguém que existiu em sua totalidade (e que não voltará) com direito a provas fotográficas e planos um dia feitos, agora desfeitos nas esquinas do tempo.

Agora, num mundo de infinitas possibilidades, só eu e o vazio que toda a noite atrasa o sono de alguém cansado de inventar loucas previsões.