Eu do Sol - uma prosa poética de Raul Seixas

Hoje a janela me ofereceu uma paisagem

Ofereceu-me o pôr do sol

Muitos, eu sei, em meu lugar seriam capazes de poetar

de escrever em tintas coloridas ou belas palavras

O cenário que se apresentava ante minha janela

Eu, eu porém estava neutro

eu havia visto aquilo antes

muitos exaltaram o lilás-avermelhado do céu

teceriam espíritos iluminados das nuvens

ressuscitando formas

Ontem, eu teceria também, mas hoje estou neutro

sem forças, somente existindo

Ontem, eu disse, que lindo azul eu sou

que lilás-avermelhado eu posso ver

eu posso, eu posso ver

pois a natureza é incolor

Natureza morta

somente átomos em profusão dominam

o que percebemos erradamente como formas numa gestalt

que no fundo não há nada de belo

é só você, você, você

Os poetas descritivos estão redondamente enganados

ao invés de exaltar a beleza da natureza falsa

deveriam dedicar odes a si próprios

exaltando nosso eu

que sem dúvida é maravilhoso e incrível,

pois é com esse mecanismo complexo que nos leva

a perceber tais fotografias

O pôr do sol

Eu me ponho às 6 horas na Bahia e às 7 no Rio

Eu sou o céu com andorinhas

Eu sou o mar com seus peixes

Eu sou o mundo inteiro

assim piso no lugar que cheguei

aqui está minha ode que faria ontem

Eu sou o sol

que belo lilás estou, que faço aqui, porque me ponho

criatura cheia de porquês e vivo e gracioso cérebro

que linda massa acinzentada, oh

máquina poderosa, força de energias mil

faze-me crer que estou vivo

que existo nesse Brasil

Ô mago do cosmos, poderoso mais que Alexandre

poderoso mais que eu possa conceber ou imaginar

entre tu e as tripas aparentemente parecidas

diferes em criação desde tempos já idos

Oh, massa molecular

eu sou o azul lilás que essa janela me trás

Raul Seixas

Raul Seixas
Enviado por Paulo Seixas em 17/07/2018
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