experimenta andar na linha do trem

“A rua é de todo mundo”. mas quem mora na rua?

Não tinha fonte na praça. Não tinha ducha nem pia.

Andando pelas linhas do VLT percebo olhares preocupados.

Os olhares convergem para linhas que são tecidas em cima de outras.

Percorri a cidade no concreto, nas retas e ciclovias de uma mão só.

Parei nas pedras portuguesas.

Entre a liberdade e a justiça da Tiradentes há ruínas. Em ruinas, estátuas inconfidentes

Na tinta esferográfica azul transcrevo o trajeto traçado pela sola gasta do meu tênis vermelho.

Cidade caos. [cidade morfina]

Luiza me deu duas opções “cê pode ir pela praia ou pelo lado de lá”

O lado de cá era caótico

senti a contração dos músculos das costas e o ranger dos dentes

Paro na lapa. Tento tecer com menos pressa, mas o tempo passa mais rápido porque do lado de cá tem demandas mais urgentes. Fazer planilha, entregar relatório, bater cartão.

Do lado de cá eu tenho que tá 13:30h na urca e tenho que comer algo pra não enjoar e que escrever um texto quando chegar em casa e decorar outro eu tenho que terminar aquele livro que deixei pra as férias e terminar o repertório e ligar pra minha avó, tanto tempo que não falo com minha vozinha...

O tempo ta tecendo mais que minhas pegadas no chão. E do lado de cá o barulho dos carros grita mais que os passarinhos. Até as velhinhas ignoram os passarinhos da glória e andam com pressa. Talvez por isso precisem prendê-los em gaiolas compradas na calçada de seus próprios prédios. Na glória é assim, tem de tudo a céu aberto.

Do lado de cá as pessoas mais atentas são as fumantes. Parece que fumaça retarda o tempo quando entra pela boca.

Fui pra o lado de lá.

As árvores parecem dançar uma música muito muito lenta que o olho humano não é capaz de acompanhar porque tem mais o que fazer.

Se seguíssemos seus movimentos por anos, centenas deles, veríamos a coreografia completa. Mas, além de pouca vida, temos mais o que fazer.

Do lado de cá se olha pra frente, o Rafael disse

Bom dia bom dia bom dia

É corrida acelerada

É luta encarcerada

É liberdade estática

Simbólica

Que homenageia quem ergue barreiras aos seus estrangeiros que procuram um lugar ao sol.

Jaula de gente cujo pecado é o despertencimento

Mas quem se sente parte?

Quem bota a mão no fogo?

Quem bota a mão no peito com orgulho salve salve?

Os olhares convergem para linhas que seguem outras

Mas só as que te mandam seguir

Experimenta andar na linha do trem.

Deriva 24 de julho.

Praça Tiradentes, Rio de janeiro