Mousse

Uma tarde de sábado minha avó e eu fomos à padaria comprar um pão doce para o nosso café da tarde, não fazíamos isso sempre pelas suas limitações de quem já tinha 86 anos, as constantes dores em suas pernas. Mas estava calor, ela estava se sentindo bem e então fomos. Lentamente. Conversando. Sobre tudo e sobre nada, naquele jeito tão nosso, em que ela me contava fofocas dos vizinhos que eu não conhecia e eu reagia com sincero interesse. Tudo nela me fascinava.

Na padaria, eu vi O Mousse de Suflair. Eu o comprei, ela não quis. Manteve-se fiel ao pão doce de coco em formato de rosca. Não me importei naquele momento com o preço do doce, que não era alto, mas para mim e para a minha precária situação financeira, era uma extravagancia. Mas comprei. Comprei porque sou ligeiramente obcecada por doces.

De noite eu o comi enquanto assistíamos televisão, algum programa musical qualquer que nós nunca prestávamos atenção; afinal, estávamos conversando. Em meio às histórias sobre as travessuras da minha mãe e dos meus tios que ela me contava, eu comi meu mousse, ela não quis nem um pouco (garanto que ofereci). Ele era maravilhoso Estava em uma embalagem de plástico com formato de taça, era cremoso, com pedaços de Suflair em abundancia, uma cobertura de chocolate derretido.

A partir dessa noite isso se tornou um hábito para mim. Visitar minha avó e comprar meu mousse de Souflair. Comê-lo no fim de tarde enquanto conversávamos ou víamos fotografias antigas de familiares que eu nunca conheci. Por alguns meses foi assim.

No dia em que minha avó faleceu eu comprei O Mousse. Parece estranho, mas eu simplesmente precisava dele naquela tarde Enquanto meus tios e minha mãe resolviam as burocracias na funerária eu fiquei no condomínio dela aguardando. Esperas assim tendem a não ter fim. E eu realmente precisava de algo doce, familiar e reconfortante. Comi o mousse. As lágrimas não alteraram o seu sabor.

Passados quatro meses e três semanas de sua morte eu fui à festa de aniversário da minha tia, filha da minha avó que morava no mesmo prédio que ela. Foi indescritivelmente doloroso estar ali. Porque era a rua dela, o portão dela, o porteiro para quem ela pedia que eu levasse um pedaço da rosca de coco nas tardes de sábados. Tudo ali tinha o seu perfume, a sua cor, a sua voz, a minha saudade. Tudo ali inspirava um desejo enorme em mim de ir ao seu apartamento que ainda estava intocado e deitar na cama em que o coração dela bateu pela última vez e ficar ali em silêncio, ouvindo sua voz que ainda ressoa tão clara dentro de mim.

Mas não. Existe uma tolerância no tempo em que as pessoas são solidárias ao luto alheio. Depois de um tempo considerado o suficiente, quem ainda não houver superado a dor da perda de um ente querido, se transforma em um transtorno, uma inconveniência constrangedora. Logo percebi que deveria sorrir e interagir com as pessoas de forma normal, jamais transparecendo o vazio triste que há em mim.

Pouco antes de ir embora fui à padaria porque estava sonhando com O Mousse de Souflair nos últimos meses. Comprei dois.

Chegando em casa decidi comê-lo, afinal, não havia porque esperar mais; há semanas eu esperava uma oportunidade. Na primeira colherada não senti a cremosidade esperada, a textura, o doce, os pedações de chocolate. Estava tudo ali, eu sei, mas não houve a sensação de prazer como das outras vezes. Ele me parece se não ruim, comum, mediano, banal.

Estranhei.

No dia seguinte comi o outro. Nada. Nada de especial, nada de mágico. Só algo insignificante, que eu mesma poderia ter feito em casa.

Talvez o que contribuísse para a minha satisfação ao comê-lo estivesse vinculada às histórias que minha avó me contava, como aquela de quando o meu tio não sabia falar cinco palavras: professora, caminhão...

Talytha Duarte
Enviado por Talytha Duarte em 08/08/2018
Código do texto: T6413049
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